Recolocar os pais «nos carris»

Leio «O Pequeno Ditador» de Javier Urra.

Lemos agora, insistentemente, livros que nos dão a ilusão de que, se actuarmos de um certo modo, evitaremos que os nossos filhos façam parte daqueles grupos de pequenos arruaceiros que minam as escolas públicas (e particulares), comprometendo, previsivelmente, uma futura sociedade de pessoas de bem.

Sublinho do autor: «(...)desde a mais tenra idade deve ser fomentado o pensamento alternativo, desenvolver-se a inteligência emocional, potenciar a reflexão, a capacidade de diferir gratificações, compreender que o mundo, os horários, os outros caminhantes não existem para nos servir, não são nem serão como gostaríamos que fossem. Deve repetir-se mentalmente estas ideias desde a infância. Na adolescência já é tarde (...)

Deve, deve, deve...a ironia é que quem compreende o que estes livros dizem, mesmo sem os ler, já actuaria - enfim, mais ou menos - como ali se defende. Essas pessoas, dispõem necessariamente de sólidos valores, que os seus próprios progenitores lhe transmitiram desde o berço e de que, em absoluto, não prescindirão. Para estes pais, estes livros facultam dicas apetecíveis e estimulantes, mas nada mais do que isso.

O que me questiono é se, para que esta categoria de livros fosse plenamente útil à sociedade, além destes, não deveriam surgir, a montante, livros que voltassem a colocar certos pais «nos carris», de molde a que compreendessem, estes sim, o alcance do que ali se diz. É que, permita-se o prosaico do raciocínio: como é possível pensar que pais manifestamente «fora dos carris» possam ser capazes de elaborar reflexões e promover atitudes que recoloquem ali os seus próprios filhos?

Que efeito pode ter aquela mensagem que sublinhei, por exemplo, em pais que há muito se deixaram fragilizar psicologicamente, que há muito renegaram a ética que os seus próprios pais lhes transmitiram, a qual colocava o «ser» à frente do «ter» e a honorabilidade e a justiça como valores inalienáveis? É que, de repente, profundamente desenraízados, orgulhosamente incultos e dedicados em exclusivo à sua vidinha, vêem-se inseridos numa desvairada sociedade de consumo de que não sabem distinguir o trigo do joio. Acabam, assim, inevitavelmente por formar a convicção de que a ética deixou de ter aplicação numa sociedade que admiram por que «moderna», termo cujo significado ignoram, mas de que erroneamente intuem como característica essencial, o direito de os filhos, sem esforço ou conhecimentos assinaláveis, poderem aceder a uma vida mais do que confortável.

Estes pais parecem alimentar, invariavelmente, uma reduzida auto-estima por si próprios e uma elevada e desmerecida conta pelos filhos,o que lhes tolda o raciocínio. E estes, se não se incluírem entre aqueles que querem lugar ao sol sem esforço, acabam muitas vezes, por se prevalecer arrogantemente das assimetrias de informação que existe entre eles e os pais- medíocre, aliás,
mas bem pavoneada, e a que os pais esforçadamente lhes dão acesso e se auto-excluem, por inércia ou por simples incapacidade (ó filho, tu é que sabes, eu não percebo nada disso) -, e até mesmo de educação, para desprezarem os valores que precisamente essa informação e educação haveria de ter ensinado a respeitar.

Submissos, todavia, os pais acabam a pensar: «ele tirou o curso de biologia marítima, ele lá deve saber se é bem educado comer à mesa com as visitas, ou ignorá-las, pegar num tabuleiro e jantar à frente da televisão - eu cá já não percebo nada disto».

Urge portanto, a divulgação de livros ou documentos, manifestos, ou o que seja, que expliquem a estes pais que a ética de ontem é a de hoje, e nada há de mal em defender e impor aos filhos valores que lhes transmitiram na sua própria infância, mesmo na sociedade actual ou até, sobretudo, na sociedade actual...não será que só assim, os livros destinados à educação dos filhos se poderão revelar integralmente proveitosos para todas as famílias e para toda a sociedade?



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