No outro dia alguém me dizia que a acção dos media - sobretudo da televisão - era mais perniciosa do que estávamos dispostos a admitir. Que transmitia a sensação que a pessoa que falava sabia mais do que sabia e, mais grave do que isso, nos induzia a julgar que ficávamos a saber mais do que na realidade seria possível que soubessemos. Quem me dizia isto tem alguma experiência de media, mas não aprofundámos o tema porque não era essa a questão que nos levara à fala.
Mas depois fiquei a cismar (adoro esta palavra) naquilo e recuperei da estante, um livro que me impressionou aqui há uns anos: «A nova ignorância e o problema da cultura» de Thomas de Koninck.
O autor desenvolve ali, entre outras, a ideia do «kitsh totalitário». Diz, citando Kundera: «No reino do kitsch totaliário , as respostas estão previamente dadas e excluem qualquer nova pergunta. Daí resulta que o verdadeiro adversário do kitsch totaliário seja o homem que pergunta». E, agora, da sua lavra: «A vigília consiste aqui essencialmente, como vemos, em discernir, em saber ajuizar, logo em rejeitar aquilo que é mau.» E, neste capítulo, acaba por se referir ao puerilismo das comunidades.
E, sejamos honestos, este puerilismo das comunidades não nasceu de facto com os media, nem por causa dos media. Eles permitem, ao invés, ainda que de uma forma deficitária, ao cidadão comum de hoje, aperceber-se do mundo que o rodeia de um modo que em tempos idos era vedado até aos mais sábios.
O ponto está em nos questionarmos porquê que, não obstante essa admirável evolução nas possibilidades do conhecimento, nos sentimos confortáveis nesse puerilismo e não lográmos atingir ainda um grau de desenvolvimento intelectual que afaste definitivamente a humanidade do espectro do kitsch totaliário, bastando-se em ver, ouvir e até ler «sem perguntar». Porquê que, podendo não o fazer, o cidadão comum prefere, hoje como sempre, embalar a sensação de que sabe, tendo-se limitado a deixar que informassem, é o que me pergunto.
E a resposta estará na forma como se educam as crianças, mas também numa inércia que, em adultos, nos puxa para trás, e nos leva a manter, ao longo da vida, o nosso intelecto «(...)numa debilidade geral do juízo e do sentido crítico que tendem a atribuir grande importância ao trivial» (cito sempre o mesmo senhor).
Por outras palavras, não obstante a acessibilidade cada vez maior às fontes de informação, subestimamos preguiçosamente o facto de que «o espírito humano não é como um vaso que se enche, mas antes semelhante a uma matéria combustível que pode ser inflamada por uma centelha (...)» e que «(...) o que interessa despertar é a sua própria originalidade, assim como seu próprio desejo de pensar e de descobrir a verdade»,o que nos leva a ser bem menos sábios do que poderíamos ser.
Dir-se-ia que tudo, mas sobretudo uma endémica falta de disponibilidade para o estudo, para uma esforçada aprendizagem, mas sobretudo para uma utilização efectiva da nossa faculdade de pensar, que os media acentuam mas de que não são exclusivamente responsáveis, se conjuga inapelavelmente contra a possibilidade de o cidadão comum deter um já exigível grau de desenvolvimento intelectual.
E, reconheça-se que, se «encher o vaso» se inscreve necessariamente numa acção de voluntarismo político e, como tal, de maior disponibilidade de recursos, já acender a centelha e esperar que inflame é um acto de cultura, que tem de ser interiorizado pela comunidade. Mais do que recursos materiais, exigiria um empenhado esforço individual e da sociedade civil no qual, por motivos vários - desde o laxismo, à dispersão, à falta efectiva de tempo, à sensação de inutilidade face aos objectivos de sobrevivência em condições materiais aceitáveis - o cidadão comum não está disposto a investir, nem para si, nem para as gerações futuras.
1 comentário:
muito bem esgalhado. é bem mais do que um mero rascunho e tu sabê-lo. absolutamente fantástica a citação. como bem sabes, adoro a ideia de que não basta ganhar ao trivial ... :-))
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