Quando a sociedade se desintegra em grupos

No outro dia, falava-me uma minha amiga do desconforto que lhe provoca uma certa estratificação por grupos das pessoas do nosso local de trabalho. Não pude deixar de concordar com ela que, se é certo que sempre existiu, agora se está a começar a evidenciar de uma forma incontornável pela dimensão que assume.

Dei, posteriormente, comigo a pensar se o meu profundo desalento em relação à sociedade portuguesa em geral e à política em particular, não terá também a ver com a emergência de grupos e grupelhos (de qualidade intelectual variável entre o medíocre e o não mais que muito bom) com o poder surpreendente de fazerem prevalecer os seus mesquinhos interesses em desfavor do colectivo social.

A História repete-se a si própria, e o livro da Hannah Arendt, «As origens do totalitarismo» que me dispus nestas mini-férias a ler com inenarrável deslumbre, obrigou-me, nesta parte a voltar ao tema. Escrevia ela:

«(...) Cada sociedade exige dos seus membros uma certa dose de representação - a capacidade de apresentar, desempenhar, interpretar aquilo que se é realmente. Quando a sociedade se desintegra em grupos, essa exigência já não se aplica aos homens como indivíduos, mas sim como membros do grupo. A conduta passa então a ser controlada por exigências silenciosas e não por capacidades individuais, exactamente do modo como o desempenho de um actor deve enquadrar-se no conjunto de todos os outros papéis da peça (...)».


Parece que nos cumpre ter consciência, sem entrar obviamente em paranóias despropositadas, que sobretudo em época de crise como a que atravessamos, esta lógica de «grupo» poderá tender a ser cada vez mais impositiva e insidiosa no afã da defesa dos seus privilégios.

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