Hoje, o meu petiz, apanhado nas malhas da gripe - que, garante a Saúde 24 com a necessárias reservas, não se tratar da A, mas prefiro não brincar com as letras do alfabeto - pede-me uma história.Já de manhã, me saltara a fábula do «Lobo e do cordeiro» para um dos ditados da praxe dos fins-de-semana (a minha aposta é que, até ao fim do sexto ano, ele não dê um único erro; desafortunadamente, não partilho da opinião da 5 de Outubro de que as crianças têm até ao 9º ano para aprender a escrever...por mero espírito de contradição, certamente, eu sei!).
A alegoria, «contra aqueles insolentes/que por delitos fingidos/oprimem os inocentes», operou tal maravilha no seu inocente universo maniqueísta, que não me deu trabalho nenhum "impingir-lhe" agora mais umas tantas fábulas roubadas da Edição da Temas & Debates das Fábulas de La Fontaine. Jogara, para tal, admito, uma cartada nova e espero que provisória: contar a moral da história primeiro, personificar Hitler no lobo e as suas vítimas no cordeiro e, só depois, deixá-lo perceber como a história encaixava na sua própria conclusão.
Já a criança dormia há muito, exausta, a necessária sesta de horas sobre horas e eu ainda às voltas com La Fontaine que, nascido em 1621, foi buscar fábulas desde a Esopo até à idade média, passando pelo Oriente, e de quem Pinheiro Chagas terá escrito que «escreveu verdadeiramente a comédia humana dos animais».
Entretive-me a inventar algumas «morais da história» para as que não a tinham evidentes, já que não tenciono abandonar este filão junto de garoto. O que, às vezes, não é fácil: por exemplo, e para os juristas curiosos, um conto, que não uma fábula, mas igualmente em verso, intitulado «Testamento que Esopo explica», consubstancia a deliciosa desconstrução de uma charada sobre o conceito de "tornas".
De repente, dou comigo a sorrir e a escrever a lápis, a conclusão de que "a história é escrita pelos vitoriosos" para a pequena fábula «O Leão vencido pelo Homem»:
Pôs-se em venda uma pintura /Onde estava figurado /Leão de enorme estatura /Por mãos humanas prostrado./ Mirava a gente com glória / O Painel. Eis se não quando /Um leão que ía passando, / Lhe diz: «É falsa a vitória./ Deveis o triunfo vosso/ A ficção, blasonadores! /Com mais razão fora nosso /Se os leões fossem pintores.»
Talvez quando chegar lá, já o garoto esteja preparado para alcançar a moral da fábula no final da sua leitura, em lugar de ter de lha indicar no início. Seria uma vitória seguramente merecedora de uma nova fábula de La Fontaine.
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