Nenhum homem sabe mais do que lhe é estritamente necessário

O FMI sempre veio. Qual pai zangado e austero para com o filho que se portou mal, mas a quem ainda está capaz de pagar a caução para, "por esta vez", sair da cadeia. Abanando a cabeça, Mr. Blue Eyes e seus acólitos tratam-nos como crianças. Há um certo paternalismo profundamente irritante ainda que merecido de senhor director da escola, face ao aluno prestes a ser expulso.

De «bons alunos» da Comunidade Económica Europeia, passámos a este papel do «menino mimado, filho de pais ricos e atarefados» da União Europeia, a quem foi dado dinheiro a rodos e pedidas poucas responsabilidades no seu gasto, e que acaba na cela de uma prisão, sem saber sequer muito bem porquê.

O caminho foi folgueado, travesso e insuflado de auto-estima inconsistente. O país mudou, dizem. Mudou sim! Muito e para melhor. Sem dúvida alguma. E em pouco tempo - que 25 anos para um país que havia pouco tempo ainda andava descalço e só tinha meia sardinha para dar de comer aos filhos da terra que não lhe cabia para cultivar, não é assim um tão grande prazo.

O problema é de atitude. É na atitude e não na economia, face ao progresso que permitiu o dinheiro aspergido sobre a nossa cabeça pelos europeus (depois das especiarias da Índia, depois do ouro do Brasil), que está o nosso sempre eterno problema.

A atitude miserabilista da era salazarista em pouco difere da pobreza de espírito que, na belle époque proporcionada pelos fundos comunitários, nos conduziu nos últimos anos ao exacto ponto em que hoje nos encontramos. E se não mudarmos essa pobreza de espírito, que parece que nos está nos genes, é ela que nos arrastará irremediavelmente para a miséria intelectual e económica.

Isto tudo, em razão de uma conversa que tive hoje e de duas citações que, a seu propósito, me vi agora na contigência de repescar. Relatava David S. Landes in «A riqueza e a pobreza das nações» (Gradiva) que, em 1670 , Francis Parry, o diplomata inglês acreditado em Lisboa terá observado que o povo português «é tão pouco curioso que nenhum homem sabe mais do que lhe é estritamente necessário»; e uma visitante inglês, referia ele ainda, terá dito de nós no Séc. XVIII que «a maioria das pessoas estava pouco disposta à independência de pensamento e, com raras excepções, demasiado avessa à actividade intelectual para questionar aquilo que tinha aprendido».

É evidente que os ingleses sempre tiveram pelos portugueses o maior desprezo, apesar da pretensa aliança que dava jeito a ambas as partes (não nos iludamos, que nas relações internacionais, como relembrava no outro dia, António Barreto, não há afectos, apenas interesses). Mas pouco importa: pegaram-nos precisamente pela nossa verdadeira fraqueza, a intelectual, a única susceptível de nos atirar ao tapete para sempre.

E é dessa fragilidade que não há resgate possível sequer pela tecnocracia internacional. Ou bem que olhamos para o fundo das nossas consciências e a intuímos com vista a uma maior abertura de espírito e melhoria considerável das capacidades intelectuais médias da população (com ênfase especial nas elites, ora profundamente medíocres) ou morreremos, distraídos, às suas mãos.

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