Do desencanto com a FNAC
Ontem estive na FNAC. Sempre preferi a Feira do Livro à FNAC, porque para além de ter os mesmo 10% de desconto, pelo menos é ao ar livre, quando lá vamos é sinal de que os longos invernos estão a terminar e, sobretudo, porque nos podemos deleitar na procura de livros de fim de stock, de fundo de loja, com as letras meio tortas, geradas ainda numa qualquer gráfica da era industrial.
Não vou negar que o peso de alguns anos que já tenho, influencia. A natureza humana é assim, e a verdade é que comecei a ir à Feira do Livros com seis anos, quando ainda era montada na Avenida da Liberdade. Nessa altura passeava-se por lá, comendo o negro fumo dos automóveis, não farturas ou gelados, e ouvindo as buzinas guerreiras dos Fiats 127, dos Datsun, dos Citröen boca de sapo, dos Renault 5, avenida a cima, avenida abaixo, como se tudo aquilo fosse normal. E era.
Apesar da preferência pela Feira do Livro, é óbvio que a chegada a Portugal da FNAC, me encheu de júbilo. A Feira do Livro tem uma duração limitadíssima no tempo e não tinha, decididamente, o glamour de uma ansiada marca estrangeira que apostava em Portugal, onde os índices de leitura fariam qualquer um recear instalar-se sequer em Lisboa, quanto mais noutra cidade do país, como acabou por acontecer.
E facto era, a FNAC - ao invés das restantes livrarias do Chiado - tinha livros, muitos, novos, expostos de forma arejada, apelativa e brilhante e um conceito de "os livros são para ser apreciados, sente-se e desfolhe-os à sua vontade", que era obviamente comercial, mas tinha a vantagem de não parecer. E quem não se quisesse perder no fausto da sua exposição, sempre poderia recorrer às prateleiras mais esconsas, e encontrar exemplares surpreendentes, os quais podiam ali permanecer por meses esquecidos, sem que isso preocupasse os seus proprietários.
Ontem, quando por lá passei - para além da nota lúgrebe de ver bem menos gente a comprar, e bastante menos coisas, o que de mal não tem o facto em si que um pouco de contenção faz bem, mas o que indicia - não pude deixar de registar o desconforto que cada vez mais a FNAC me provoca. Os livros, e até os cd's, deixaram definitiva e despudoradamente de ser o seu core business. Assume-se como um supermercado de tecnologia que também vende livros e discos como quem vende detergentes. Ponto final.
A FNAC fez-me sentir alguém do século passado, quando afinal só passaram onze anos sobre o início deste. É bom que me comece a habituar a esta sensação experimentada por todos os nossos antepassados e até a retirar algum prazer dela. Reconheço inúmeras vantagens nos avanços tecnológicos, mas não me parece que o facto de aderir cegamente às imposições do main stream me façam sequer um dia mais nova do que aquilo que sou. E mesmo que tivesse esse poder, há certos diabos a que não me apetece vender a alma.
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2 comentários:
há subscrição aberta? É que é assino já por baixo.
;) beijo
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