Os bastidores dos sorrisos simpáticos
É impossível não saber, hoje em dia, que os sorrisos das empregadas/os das caixas de supermercados, ao fim de cinco horas seguidas a passar produtos pela máquina registadora, é tão profissional quanto a sua indumentária. Basta lembrar-nos do tipo de atendimento nas lojas da baixa lisboeta dos anos 70 e 80, prévios ao boom consumista, para perceber que o sorriso não é fácil, e muito menos natural, para quem passa um dia inteiro a atender clientes dos mais diversos humores.
A exacta extensão da plasticidade daqueles sorrisos, a troco dos poucos euros que auferem de salário os que têm de os ostentar, tive-a, porém, no outro dia, nos poucos minutos de um monólogo da empregada de caixa de uma grande superfície, miúda, com ar de quem acabara de ser formada na arte de registar bens de consumo e bem atender os clientes, e que me permitiu espreitar os bastidores da fábrica de sorrisos do hipermercado.
Em silêncio perplexo, e apenas mantendo um vago sorriso de compreensão, vi-a passar os produtos e dizer, num tom entre o hiper-ansioso e o divertido: "- Já passei o seu vale? Ah sim, ainda bem, tenho de me lembrar sempre de passar os vales... já fiz tantas asneiras hoje, agora já chega... há pouco esqueci-me de passar o vale e um cliente chamou-me a atenção... ah, e tenho de manter o sorriso, tenho de manter o sorriso, é o que nos dizem lá dentro, ter sempre um sorriso simpático ...eles têm razão, o sorriso é o mais importante, ai que não sei se passei este produto, deixe ver, sim, sim... o seu talão, obrigada, boa tarde... o sorriso, o sorriso é o mais importante, eles têm razão!".
Brindei-a com um sorriso, natural o meu, perante aquela mini peça trágico-cómica e saí meio estonteada.
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2 comentários:
:-) Eu, como bem sabes, atendi, durante anos, público, e sei o quão difícil é. Algumas vezes me arreliei e fiz má cara, mas regra geral estava bem disposta e era simpática. Por natureza, mas também por defesa: por vezes, um sorriso desfaz implicâncias e arrogâncias que podem dar grandes trinta e uns. Essa cachopinha é, manifestamente, uma tarantazinha, mas eles "lá dentro" têm razão: no sorriso é que está o ganho para evitar chatices e a verdade é que as coisas, aos próprios caixas, correm melhor com um sorriso.
Ah, mas em ti ele é mesmo absolutamente natural! Soriiiiso.
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