O tio Patinhas não mergulhava em moedas poupadas


A pobreza envergonhada, em Portugal, está "out", fora de moda.

O que está "in" é poupar assumidamente: levar lancheira para os empregos, andar de transportes públicos, combinar poucos jantares e para restaurantes baratos, frequentar espectáculos pouco dispendiosos, ler livros emprestados, lembrar que na nossa infância nada foi fácil e estamos aqui, ver a conta da luz e da água pela primeira vez com olhos de ver, substituir os irradiadores por borrachas de água quente e mantas, reduzir para metade o detergente da roupa e o programa da máquina da louça, trocar dicas com amigos sobre como poupar nas compras para a casa, evitar os presentes para adultos,  dizer mal (!) do Pingo Doce por mudar a sede para a Holanda, comprar produtos brancos por serem mais em conta ou portugueses para incentivar a economia nacional, dizer sem vergonha "isso é caro, não tenho dinheiro"... o que está na moda hoje é, portanto, o que estava completamente fora de moda antes de a troika ter irrompido nas nossas vidas e interrompido a nossa vidinha.

Esta é simultaneamente uma maneira boa e má de de fazer face à crise.

[Porque um blogue pode ser tudo o que quisermos e até um lugar para sermos horrivelmente honestos, adianto já que faço tudo aquilo e só não digo mal do Pingo Doce, porque o meu patriotismo disparatado vai até à compra dos produtos portugueses ainda se a sua melhor qualidade face a outros não for evidente - mesmo sabendo que isso gera teoricamente ineficiências da produção nacional - não me cegando todavia ao ponto de confundir negócios com relações afectivas].

É bom, por um lado, porque demonstra, pela enésima vez, que não há ninguém como os portugueses para se adaptarem. Foi para a festa? Foi para a festa: foi gastar, foi crédito a rodos, até para casamentos, viagens, mobiliário, tecnologia, um fartar vilanagem...É para poupar? É para poupar: cá vamos nós, de mau grado, a roer corda, mas contem connosco! É ao cêntimo.

O lado mau desta forma de estar na crise radica no nosso modo de a olhar estritamente como uma oportunidade - para quem ainda consegue - de poupar, amealhar, quando muito aplicar cada vez mais esqueléticas poupanças, esquecendo-nos (nós e sobretudo quem tem o poder de tomar decisões hoje em Portugal), que o tio Patinhas não mergulhava em moedas poupadas, mas no resultado daquelas que investia - ele não era rico por ser forreta, mas por investir.

Este pensamento cauteloso seria natural um povo que viveu sob o jugo do pecado do juro e na mais obscura ruralidade, analfabetismo, indigência de espírito e intelectual, muito para além do seu tempo próprio (medida em termos ocidentais), isto é, antes da nossa entrada na então Comunidade Económica Europeia, mas já não o é actualmente.

Para alguma coisa nos hão-de ter servido 20 anos de prosperidade, ainda que falsamente induzida, e o nível de educação que alcançámos, mesmo se aquém do desejável . Muitos dos portugueses activos, hoje em dia, têm agora a obrigação de serem menos atávicos, mais conhecedores de línguas e de técnicas de gestão e informáticas, com mais mundo e portanto mais ousados, inconformistas e empreendedores.

Se não tivermos trazido sobretudo isso dos anos de ouro da nossa permanência na União Europeia, caramba, não trouxemos nada e resta-nos, de facto, partir mais uma vez com uma mala de cartão para trabalhar nas fábricas alemãs e francesas, ou ficar em Portugal e trabalhar nas chinesas ou angolanas.

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