Brincar sem morder o dono
Não me recordava mas, dizia Pedro Lomba antes de ontem no Público, que começa a ser um clássico: de vez em quando lá vem um politico dizer que Portugal usa e abusa das lamúrias (versão de Jorge Sampaio) ou da pieguice (versão de Passos Coelho).
A ser verdade (o que aliás nem me parece, mas concedo) entenda-mo-nos, se o povo tem os políticos que merece, os políticos têm o povo que merecem.
O que me pergunto é se a auto-piedade é o defeito verdadeiramente relevante dos portugueses nos tempos que correm. A lamúria é geralmente provocada por uma circunstância externa susceptível de desaparecer, ainda que em velocidade de cruzeiro se auto-alimente.
Não será, ao invés, a nossa eterna autocomplacência que urge combater? Pode ler-se num dos significados de complacência - o pejorativo - adiantado pelo reverenciável Houaiss, que esta é a atitude que "denuncia demasiada condescendência, indulgência ou deferência com algo ou alguém".
A autocomplacência de um país é uma idiossincrasia perigosa porquanto opera em ciclo vicioso. Criticando tudo, com ou sem razão, estamos logo também na primeira linha a perdoar, esperando em troca um tratamento tão ou mais benevolente para com as nossas próprias falhas (mesmo que infinitamente menores em extensão e consequências para o interesse público).
Enquanto vivermos no pânico de nos confrontarmos primeiro, e lutarmos depois, contra o pequeno grau de exigência que usamos para connosco próprios, nenhum governante receará dizer seja o que for em desabono do povo que o elegeu, por saber que de volta terá apenas dentadinhas de cachorro, que brinca sem magoar o dono.
Em suma, digam os sucessivos primeiros-ministros e presidentes da República o que quiserem, é a zona de conforto da autocomplacência que Portugal deve abandonar, se quiser escapar com êxito à escalada da inércia contra a mediocridade, incompetência, clientelismo e corrupção.
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1 comentário:
Na mouche!
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