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| Passarola voadora - Documento arquivado na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro |
"A um lado do pátio espaçoso ficava um celeiro, uma abegoaria, ou adega, estando vazio não se podia saber que serventia fora a sua, pois para celeiro lhe faltavam tulhas, para abegoaria onde estariam as argolas, e adega não a há sem tonéis. Esta porta tinha um cadeado onde entrava uma chave tão recortada como escrita arábica. O padre retirou a tranca, empurrou a porta, afinal não estava vazia a grande casa, viam-se panos de vela, barrotes, rolos de arame, lamelas de ferro, feixes de vimes, tudo arrumado por espécies, em boa ordem e, ao meio, no espaço desafogado, havia o que parecia uma enorme concha, toda eriçada de arames, como um cesto que, em meio fabrico, mostra as guias do entrançado.
Baltasar entrou logo atrás do padre, curioso, olhou em redor sem compreender o que via, talvez esperasse um balão, umas asas de pardal em maior, um saco de penas, e não teve mão que não duvidasse, Então é isto, e o padre Bartolomeu Lourenço respondeu, há-se ser isto, e, abrindo uma arca, tirou um papel onde se via o desenho de uma ave, a passarola seria, isso era Baltazar capaz de reconhecer, e porque à vista era o desenho um pássaro, acreditou que todos aqueles materiais, juntos e ordenados nos lugares competentes, seriam capazes de voar."
"Memorial do Convento", José Saramago, Caminho

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