Excertos literários da minha vida (19)


                                                                                          

"Só agora Clarissa percebe que se afastou tanto da tia que quase se vai perdendo no meio do povo. D. Zina dá o braço à sobrinha. Um de luto tristonho, gravata e chapéu preto. Nem bonito, nem feio. Outro de branco, gravata-musgo, chapéu de palhinha. Sorrindo. Quase bonito. Mais adiante outro, alto magro, olhos impertinentes, sorriso de pouco caso. Seria bonito de não fosse esse ar cínico. E que engraçado é aquele sujeito baixote, grosso, de óculos de aros de tartaruga, narizinho esborrachado, charuto no canto da boca. Que ridículo!
-Clarissa, não olhe tanto prós rapazes. Cuidado, já estás ficando moça...
A voz da Tia Zina é severa. Clarissa faz uma careta de desagrado.
-Eu mal estou vendo os rapazes...
Mal? Quê! Ela tem um jeito de olhar, um jeito furtivo, dissimulado, assim de quem não está interessada...
Mas na verdade, enxerga tudo muito bem. Chega a notar até certa as particularidades: a corrente do relógio, a cor da gravata, da bengala e até dos olhos. Que mal há em olhar? Para que foi que Deus nos deu os olhos? Para olhar, naturalmente. Logo: olhar não é pecado."

«Clarissa». Erico Veríssimo. Livros do Brasil.

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