| Jorge de Sena |
- Homem, a saída é perceber quando é que chegou a hora de acabar com tudo.
- Mas isso é o que todos fazemos, quando se não gosta da pessoa e já nos fartámos fisicamente dela.
- E quando julgamos que gostamos ? - e puxou uma fumaça.
- Nesse caso, tanto faz. Há alguma diferença entre gostarmos e julgarmos que gostamos?
- Há. Olha, homem. Quando tu sentires uma grande raiva de estares preso a alguém, e desejares a toda a hora ver-te livre dessa pessoa, e, quanto mais fazes por ver-te livre dela, mais a ela te chegas, então gostas. Mas quando só sentes uma grande paixão, e não pensas noutra coisa, estás convencido de que gostas, mas não gostas.
- Ao contrário do que toda a gente diz? E do que toda a gente sente?
- Mas o que queres tu que as pessoas digam? O que sentem?
Parecia irreal, não aquela filosofia, mas que o meu tio filosofasse sobre aqueles temas, não sabia se com verdade, mas sem dúvida com uma perspicácia que me perturbava. Ou seria que aquela perspicácia nada tinha de perspicaz, e era apenas um palavreado comum a todos os adultos já vividos? Que perspicácia havia em dizer-se o que todos dizem ou o contrário disso mesmo?"
"Sinais de fogo". Jorge de Sena. Edições 70.
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