"Happy start" vs "Happy end"
A minha bisavó tinha uma pequena bizarria que muito divertia os netos. Embora a sua casa já tivesse luz eléctrica havia algum tempo, apagava as luzes todas mal a família saía, e acendia a candeeiro de petróleo. Não era por nada, apenas pela mesma razão que se Cais do Sodré sempre fora "Caixidré", porque haveria agora de se dizer Cais do Sodré? bufava impaciente, quando os netos, divertidos, tentavam ensiná-la a pronunciar o nome correctamente.
A minha bisavó, com o seu candeeiro a petróleo, criou oito filhos, a quem deu a melhor educação e a possível instrução. Foi assim que uma das suas filhas, a minha avó, se transformou na melhor e mais bem formada avó do mundo, mas não foi além da 2ª classe (actualmente, 2º ano). Quando quis ser enfermeira, por só ter percebido a sua vocação após ter passado alguns meses no hospital com uma doença rara que lhe permitia ainda assim movimentar-se e fazer alegremente curativos nos outros doentes, disseram-lhe que era impossível porque não tinha a 4ª classe. Exactamente, a 4ª classe seria o quanto bastava. Mas não tinha tido condições para concluir a instrução primária.
Nada disto se passou na idade média, porque a minha avó nasceu em 1919 e a minha mãe, que me conta a história, em 1940.
Ontem lembrei-me do episódio do "pitrolim" como lhe chamava, enquanto lia, no jornal Expresso, o caso da mãe solteira, que teve uma loja aberta e uma vida relativamente confortável e, agora, sem direito ainda reconhecido a subsídio de desemprego (só recentemente o governo instituiu que os empresários falidos também podem ter direito a subsidio de desemprego) sobrevive, com a filha de cinco meses, apenas com um subsidio mensal de aleitamento de € 130 (dá banho ao bébe em casa de uma vizinha, toma ela diariamente um banho frio e há sete dias que não comia uma refeição quente por ter o gás cortado).
Tal como a minha bisavó, também ela apaga as luzes à noite. Não pelo capricho de querer ser alumiada por um candeeiro a petróleo, mas por não poder pagar a electricidade, na casa emprestada e degradada onde vive.
Há alguma diferença entre a vida da minha bisavó e a desta mulher? Há, sim. À minha bisavó, ninguém lhe deu nada, mas também ninguém lhe prometera nada, pelo que aprendeu a viver com o pouco que tinha e amealhava. Todavia, depois das dificuldades por que passou, a história da minha bisavó teve um "happy end": podia recusar para si, por divertida bizarria, uma qualidade de vida que os seus netos já usufruíam, com perspectivas de melhorias graduais para os seus pais e para eles próprios.
Vivemos durante anos na convicção de que só o infortúnio de uma catástrofe climática, de um tremor de terra ou até de uma guerra imprevista que a união europeia nascera para evitar, poderia levar as pessoas a terem a histórias de vida que parecessem ter sido escritas de trás para a frente, acabando abruptamente mal, depois de lhes ter sido prometido, sem reservas, vidas dignas mediante determinadas condições.
Sabemos agora que é precisamente o contrário: só um imprevisível bambúrrio para o país pode gerar "happy ends" para essas mesmas pessoas.
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