A insustentável crueza da China

Fui ver "Still Life - Natureza Morta".
Saí quase sem forças, a dizer que tinha detestado o filme. Não detestei a qualidade do filme, entenda-se, detestei ver o filme.

Senti-me desconfortável; nunca senti, mesmo em filmes de ficção científica, uma tamanha estranheza do mundo a que me levaram, como neste. O cineasta, Jia Zhang Ke, conta duas histórias e documenta literalmente a forma como uma barragem é construída por sobre os escombros de uma antiga cidade. Podia, portanto, ser poético, dramático, nostálgico, duro e/ou dorido, realista, romântico, crítico ou acrítico. Podia ser tudo junto, ou apenas uma dessas coisas.

Mas o que me ficou (e que perdura, pelo que o filme deve ser bem mais marcante do que pensei de início, já que quase todos os dias me lembro dele), foi a sensação de ingerência em vidas que não se percebe como podem querer ser vividas, não por que confrontadas com um cenário de guerra ou de catástrofe, mas por que inacreditavelmente desvalorizadas.

Digo isto, e percebo que falo de algumas vidas, não de todas. Que há laços de amizade, há amor, uma forma eventualmente oriental de amar...mas, sim, existem. Não obstante, todo o filme é emoldurado por pessoas que podem morrer sem que ninguém considere essa morte importante, debaixo dos escombros de uma parede destruída a martelo, ou espancadas eventualmente até à morte, às mãos de um gang pago para o efeito, ou «assassinadas» pelas minas onde se ganha um pouco melhor do que a miséria que se ali se aufere para se destruir uma cidade à martelada, sem garantia, infíma que seja de, em cada dia, se sair de lá vivo.

E qual é a novidade? perguntam e com razão. Afinal, mais de metade dos filmes que não integrem a categoria «comédia» tratam desses dramas. Eu sei. Mas creio, não me lembro, de alguma vez me ter sido dado assistir a um filme - que não em cenário de guerra, e mesmo assim... - em que revelação «fungibilidade» do ser humano seja de uma crueza tão insustentável. Insuportável.

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