O meu filho tem dez anos e é um rapazola dos tempos modernos. Gosta de futebol à exaustão, isto é, na televisão, na rua, no ginásio, no hall da casa, nos jogos de consola, nos cromos e até nas revistas; também gosta de cartas de Pókemon e de desenhos animados japoneses dobradas em português... tudo coisas que me excluem um bocadinho da vida dele e que me põem, confesso, também um bocadinho de mal com os tempos modernos.
Vou às livrarias e compro para ele livros de que gosto, na esperança, na maior parte das vezes vã, de que acabe, se não por gostar muito de ler, pelo menos por não detestar essa actividade, porque consegue perceber o que lê. Descodifico, sem medos: tento assegurar-me de que não se transformará num semi-analfabeto funcional.
A poesia, já percebi, acaba por ser um bom meio de o chamar à atenção para a literatura...que se vou contar com o livro de língua portuguesa do 5º ano para o efeito, pelo menos nos seus primeiros textos, bem posso esperar. Sinceramente - e aqui um à parte - aqueles textos iniciais do «Novo Português em Linha» são de uma mediocridade e de um tédio mortais.
Uma amiga muito querida - de quem o puto diz que «é assim mais ou menos como se fosse da nossa família, não é, mãe?» - deu-lhe, um dia, o «Primeiro Livro de Poesia», com o sub-título «Poemas em língua portuguesa para a infância e adolescência», numa selecção da Sophia de Mello Breyner Andresen (da Caminho), com mil desculpas por eventualmente não ser ainda para a idade dele.
Pois tem-me valido de muito! A escolha de uma poesia daquele livro para um ditado não estudado (mãe, bahhhhhh!), ainda que pelos maus motivos - boa mãe, é mais curto !!! - acaba por se revelar uma boa ideia. De uma penada faz-se um ditado, não necessariamente menor do que seria qualquer outro em prosa e acabamos, no fim, por nos entregar a uma interpretação mais ou menos preguiçosa e distraída da parte dele, é certo, mas ainda assim produtiva, daquela poesia em concreto.
E se, no final, os olhinhos dele brilham num entendimento súbito, ainda que breve, daquilo que acabou de escrever e ler, a verdade é que ali, até eu, acabo por me surpreender, agradada. É que, por exemplo, um poema com o inacreditável título «O futebol brasileiro evocado da Europa», de João Cabral de Melo Neto, que noutras circunstância nunca leria, vem a revelar-se, também e afinal, pura poesia, isto é, «uma ilha rodeada de palavras por todos os lados» - na absoluta definição de Cassiano Ricardo, citado por Alice Vieira em «O Meu Primeiro Álbum de Poesia» com selecção, este, da própria Alice Vieira (da D. Quixote).
Mas sobre introdução muito interessante deste último e belíssimo livro que foi, aliás, o que me levou a escrevinhar o que acima fica, voltarei num próximo ataque de vontade de falar de poesia para crianças.
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