Virar a página

Quando frequentava a praia do Conde da Azarujinha, gostava de um rapaz de nome Paulo que não me ligava nenhuma.

Foi minha sina de infância e adolescência: gostar de quem não gostava de mim, sendo que o inverso também se verificava. Nunca namorei com ninguém nesse tempo, portanto. Era o eterno desencontro.

Mas, nessa altura, era-me totalmente indiferente se esse ou qualquer outro moço por quem me enlevava me retribuía o enlevo.

Havia sempre a praia da Azarujinha, com as suas arribas douradas ao sol poente ou coadas pelo sol do meio dia, com a sua piscina natural de água gélia, com aquelas ondas batidinhas milhares de vezes no seu areal minúsculo, polvilhadas de algas com um odor que só tinham as algas da praia da Azarujinha, e aquele local perigoso de mergulho que todos adorávamos. Nela havia sempre o meu riso e dos meus amigos, rapazes e raparigas, jogando horas esquecidas ao prego e ao king, por debaixo de toldos riscados de branco e verde, ou azul ou vermelho, armados pelo velho banheiro tisnado, cujo nome ignorávamos, como se o futuro, sempre evidentemente irrevogável, não nos preocupasse nada.

Era como se estivéssemos todos destinados a sermos felizes, não obstante (ou talvez por isso) me recorde sempre de aí ter ouvido, pela primeira vez, e com um arrepio, aquela previsão, citada por uma das minhas amigas, traduzida num dito mil vezes repetido de sua avó: « A 2000 chegarás, de 2000 não passarás».

Recordo-me de, nesse momento, ter feito rapidamente as contas e ter concluído que, nessa altura, teria 36 anos, o que faria de mim uma velha. Pouco importava, portanto. O que relevava é que até lá, a Praia da Azarujinha e os nossos segredos partilhados prosseguiriam inelutavelmente o seu trilho pré-definido e que era necessariamente maravilhoso.

Depois, como diria Fernando Tordo, o meu futuro como o de todas aquelas minhas amigas e amigos dos quais vejo, hoje em dia e raramente, apenas uma, e de que nada sei de qualquer dos outros, «foi aquilo que se viu».

Somos hoje todos adultos, inevitavelmente casados ou não, com filhos ou não, felizes ou não...mas a praia da Azarujinha - que ainda há pouco tempo revisitei com o meu filhote - continua dourada, com aquele cheiro peculiar a algas, que suponho lhe seja eternamente conferido pela sua pequena dimensão, e guardando segredos e risos de outras tantas crianças e adolescentes como aqueles que nós fomos.

E eventualmente, e espero que tão brevemente quanto anseio, a praia da Azarujinha trar-me-á de volta o sorriso que sempre me despertou aquela imensa escadaria que me conduzia à praia «mais bonita do mundo» que foi a da minha infância e àquela plenitude que hoje recordo docemente, representando antes de mais nada, uma página virada de uma vida que já não quero viver, rumo a um futuro irrevogável sim, mas espero que bem mais feliz.

Nem todas as memórias serão na verdade um desperdício de energia. Se elas trouxerem, como esta hoje me traz, energia para prosseguir um caminho de momento, mas apenas de momento, estraçalhado.

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