Um segredo revelado

O ano de 2008 que já passou (graças a tudo e todos!) reservou-me ainda, e sem eu saber, uma última e irónica surpresa.

A revista Ípsilon do Público da semana passada -a derradeira desse inenarrável ano - que só hoje tive a oportunidade de olhar com olhos de ver, elegeu o filme «O segredo de um cuscuz», de que tanto gostei, como o melhor filme de 2008.

A ironia é que esse filme encerra para mim uma das piores memórias dos últimos tempos. Revelou, na minha vida pessoal, praias definitivamente não partilhadas, destinos apostados a correr em sentidos inversos, olhares profundamente distintos sobre o mundo, a cultura, a arte, os media e o epicurismo, e forças que, talvez por isso mesmo e sem que tivesse dado por isso ou pelo menos aceite até esse momento, decididamente haviam deixado de se atrair.

Não deixa de ser curioso que precisamente esse filme tenha levado a puxar o gatilho a quem já não queria partilhar a minha vida, a um tempo atingindo-me de morte e levando-me a aceitar mais facilmente e para sempre a inevitabilidade de que as pessoas mudam (não necessariamente para melhor ou pior, independentemente da opinião que eu própria sustente sobre o assunto).

Descobri com esse episódio - que o filme tão só despoletou, admito mas suponho que para sempre me recordará - que para minha ingénua, mas renovada e portanto estúpida surpresa, era possível a quem eu tinha por bem mais próximo de mim, desistir, por enfado, de trilhar caminhos que, por definição, incluiriam bons filmes, bons livros, as mais incríveis cidades e respectivos museus do mundo ou sequer os mais contemplativos passeios.

Aprendi, e desta feita de vez, como lhe era extraordinariamente fácil optar pelos atalhos do hedonismo fútil e da informação como único deus a que prestar tributo, renunciando desdenhosamente a valores como o conhecimento, a sabedoria, a ponderação e a lealdade que, pura e simplesmente, desconsidera enquanto tais.

Pensando nisto, acabo por concluir que 2008 me revelou um segredo ainda que dolorido que urgia ser retirado do armário e que, nesta medida, 2009 só pode significar um livre renascer das suas cinzas.

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