Roubando palavras

Não, não é por preguiça ou por cansaço, convenço-me. É porque estas duas pessoas - a primeira que eu conheço e amo, e a outra não obstante desconhecer em absoluto - conseguiram dizer de modo inexcedível, cada uma delas, o que neste momento mais me tocaria. Dizer por cima do que escreveram, ou sequer glosá-los seria bem mais do que uma redundância, seria ficar muito, mas muito aquém daquilo que precisaria de ser dito. Grata a ambos, portanto.

«(...) Depois entre as muitas coisas fundamentais que apreendi, está essa noção fundamental do amor firme: amar mas saber dizer não. Dar generosamente mas estabelecer limites e fronteiras. É muito difícil o amor firme. Um toxicodependente é um manipulador por excelência e obviamente é duríssimo ser-se firme e duro nos afectos. Os afectos existem para ser doces e suaves. E quando estamos habituados a ser generosos nos sentimentos, ser duro e firme é algo que pode ser verdadeiramente penoso. Mas tudo começa estando disponíveis para dar, mas estabelecendo claramente as regras, as metas, os limites.
Este fim-de-semana, houve um pequenino descarrilamento e eu tive de ser firme. Muito, muito firme. Como sempre não foi fácil, mas foi eficaz.(...)»

De Amor e Outros desastres - 5 de Janeiro de 2009

«(...) Bem sei que vivemos em tempos em que não nos tocamos senão no sentido carnal, em que somos pós dos modernos e tudo é fungível e esquecível em dois minutos. Lamento mas eu sou enxertado de oitocentista (já tinham reparado), acho que aquilo que fazemos fica connosco e também afecta os outros. E às vezes destrói-nos e nós e destrói os outros. Tinha um blogue e dei conta disso, em directo e sem rede, como quem vê um papel no fogo a encarquilhar-se, a ficar negro, a ser desfeito pelas chamas, primeiro as pontas queimadas, depois uns riscos alaranjados que despontam na outra extremidade após um fogacho, depois uma confluência de fogos algures a meio, onde o papel já é uma bola carbonizada, cinza frágil ao toque. Eis o que vistes, e não foi bonito, alguém que fez dois bonecos vudu e foi espetando um e outro como entretém para os convidados, mas gostava que tivesse ficado mais alguma coisa, um homem que como no poema de Yeats «knows all the cost» porque «he gave all his heart and lost»(....)»

De Estado Civil - 31 de Dezembro de 2008

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