Da cultura do «corte e cola»

Há uns anos atrás um conhecido meu, hiper informado e hiper informatizado, escandalizava-se pelo facto de os professores pedirem aos seus alunos trabalhos que exigiam recurso à internet, o que colocava quem não tinha acesso à internet numa nítida posição de desvantagem em relação à sua própria filha.

Recordei-me disto quando li ontem no Público um comentário atroz de Carlos Fiolhais sobre os malefícios do recurso à internet para tudo e para nada.

Falava ele do recurso indiscriminado ao corte e cola que é feito hoje em dia e muito perigosamente incentivado, nomeadamente nas escolas, e que, aliás, em sua opinião o entusiasmo pelo computador Magalhães não mede. Assusta-o o proliferar de textos apócrifos de criancinhas deslumbradas pelo facilitismo proporcionado pelo Magalhães.

Por outro lado, dava exemplos concretos em que são citados nos fóruns mais insuspeitos, textos cuja fonte é falível, sem que quem o faz dê sequer por isso. Grave, conclui-se, não será assim tanto a desonestidade - que a mais das vezes até nem existirá e a existir o Direito sempre arranjará formas de o punir - mas a profunda ignorância dessas pessoas.

Creio que com isto, Carlos Fiolhais está a expressar o óbvio: a internet só por si, e o Magalhães por extensão, não constituem um problema. Ou pelo menos não um problema que se possa simplesmente eliminar. A sociedade tecnológica está aí. Quem não a integrar é simplesmente um excluído em todas as vertentes. E portanto defender que não esteja também nas escolas é não só uma miragem, como uma miragem idiota.


Robert Doisneau


Hoje em dia, a questão coloca-se, de facto, a montante desta: a de saber se, tendo já maior parte dos alunos acesso à internet, há quem recolha informação de fontes fidedignas, apta portanto a detectar os erros resultantes do corta e cola ou da recolha de textos falsos ou, sequer, que logre perceber que foi efectuado.

E se naqueles fóruns públicos, pelo menos para já, até será relativamente fácil chamar a atenção para os erros (haverá sempre quem tenha lido Marx de fio a pavio e saiba que a frase recentemente atribuída a Marx nunca foi por ele proferida), não podemos esquecer que as escolas não são fóruns públicos, no sentido que o que lá se faz não é do conhecimento público.

Assim, importante é saber se temos suficiente confiança nos professores que ensinam os nossos filhos, na extensão dos seus conhecimentos substanciais e até informáticos para contornarem os problemas que implica a deficiente e preguiçosa utilização da internet pelos alunos.

E ninguém me convence que a grande maioria dos professores do básico e secundário reúna, hoje em dia, real sabedoria até na sua área de conhecimento (para já não falar de cultura geral) ou sólida formação informática para driblar as manobras sequer mais infantis dos miúdos na procura da maior facilidade.

Por outras palavras, e em suma, o problema com que temos de lidar é o uso generalizado da internet por quem não estará apto a recolher criticamente o que ela oferece, por ser demasiado jovem para ter já os conhecimentos necessários - leia-se, os alunos -, mas sobretudo a sua aceitação, também acrítica, por aqueles que já deveriam deter conhecimentos profundos, fruto de muito estudo e leituras efectuados em fontes fidedignas, mas que se contenta com a informação que dela recolhe ou vê recolhida - isto é, os professores.

E sem querer «paroquializar» a questão, Portugal está em minha opinião em vias de se transformar num problema vulcão nesta área. Falhando, como está a falhar ao nível da educação, pelo escasso estudo, capacidade de trabalho e nível de conhecimentos que exige dos alunos e ao incentivar, por outro lado, o recurso indiscriminado à tecnologia informática como panaceia para essa monumental falha, receberá de volta - como já está a receber - uma sociedade na sua base tecnologicamente avançada, mas destituída de massa crítica.

Ou atalhamos já caminho ou, paulatinamente, o ciclo vicioso da informação que não assente no conhecimento instalar-se-á irreversivelmente. As elites, no sentido de pessoas verdadeiramente sabedoras, serão cada vez em menor número, a sociedade média cada vez mais «rasca» e, em consequência, a gestão da coisa pública (e até privada), com reflexos perversos e irremediáveis na economia, cultura e portanto desenvolvimento geral do país, entregue a pessoas medíocres mas arrogantes porque produto, respectivamente, de uma educação deficitária e divinizadora quase exclusivamente do domínio das tecnologias da informação.

E não tenhamos ilusões: a mediocridade da actuação de quem já conduz ou virá a liderar este país não logrará ser, sequer, competentemente escrutinada pelo media. E isto porque, não só na ânsia de satisfação de tanta pobreza de espírito e na procura de menores custos, serão cada vez menos exigentes no recrutamento de jornalistas, mas também porque lhes não restará já recursos humanos que, ou não hajam já sido formados neste ambiente perverso ou, não o tendo ainda sido, se não tenham já rendido ou deslumbrado pelo seu facilitismo.

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