Do povo e da ralé



Fernando Botero




Hannah Arend, naquele livro cuja leitura venho entrecruzando por entre outras que vou fazendo (os ensaios permitem estas liberdades) - «As origens do totalitarismo» - faz uma utilíssima distinção entre povo e ralé.

A não ser nas faculdades onde se estuda ciência política, em que o conceito de «povo» é usado com propriedade como um dos três elementos constitutivos do Estado (território, governo soberano e povo), essa expressão tem geralmente uma conotação com raízes imagino que nas classes da idade média: clero, nobreza, burguesia (a partir do século XIV) e povo. O povo integra, inevitavelmente, e em conversas de café, quem não pensa ou pensa mal (os célebres taxistas e porteiras), isto é, os ignorantes normalmente porque pobres e sem acesso/vontade a estudos ou pelo menos a estudos mais prolongados, bem como aqueles que simplesmente trabalham em profissões pouco qualificadas.

À falta de melhor, e apesar de intuitivamente sentirmos que isto não será bem assim (o povo dirá muitas vezes coisas mais acertadas que os indígenas integrantes de outras classes, não haja dúvidas), tenho deixado esta «caixinha» assim classificada, até melhor ordem. Fiquei portanto consolada de descobrir uma nova «caixinha»: o povo distingue-se da ralé, não se confunde com ela.

Cito Hannah Arendt:

« (...) A ralé é fundamentalmente um grupo no qual estão representados resíduos de todas as classes. É isto que torna tão fácil confundir a ralé com o povo, o qual também compreende todas as classes sociais (...)».

E
acrescenta ela , e eu agora em benefício da explicação do propósito a que isto vem: «enquanto o povo, em todas as grandes revoluções, luta por um sistema realmente representativo, a ralé brada sempre pelo «homem forte» pelo «grande chefe» (...)».

Assusta um pouco, é certo, mas ao menos clarifica.

1 comentário:

disse...

Olá,
Estou lendo "As origens do totalitarismo" e me deparei com o conceito "ralé". Não havia entendido muito bem e a sua explicação ajudou a esclarecer este ponto, que pra mim era uma das muitas interrogações com que me deparo na leitura da obra.
Obrigada
Maria Fernanda