Fui ver a comédia romântica «Ele não está assim tão interessado». Cumpriu a função que me apetecia que cumprisse: ser uma comédia romântica, de usar e deitar fora.
Histórias entrecruzadas, divertidas, sobre o que pensam as mulheres que os homens pensam e vice-versa (elas saem-se melhor, diga-se).
Uma das histórias não vou deitar fora, todavia. Ilustra quase na perfeição a real diferença entre a lealdade e a fidelidade que, por vezes, discuto com pessoas que me são próximas.
Digo eu que a fidelidade é uma característica própria dos cães em relação aos seus donos; a lealdade, ao invés, é distintiva dos seres humanos.
Num casal profundamente amigo, ele cai na tentação Scarlett Johansson - aparentemente isso não seria difícil para qualquer homem - o que acaba por contar à mulher.
Para grande estranheza dele, perante a confissão de infidelidade, ela não se sente particularmente afectada, não impõe que ele saia de casa por causa disso, tentando ao invés alterar a sua própria atitude sexual, isto é, aquilo que, em sua opinião, o terá levado a sucumbir ao encantos (e investidas, ainda que ela o não saiba) de outra.
Quando ele pensa que tudo se poderia compor, chega a casa e depara com as suas malas à porta e um pedido de divórcio. Ela descobrira que ele, ao invés do que sempre lhe jurara, andava a fumar às escondidas (ela teria um trauma de o pai ter morrido de cancro no pulmão). Não se reconciliam.
A deslealdade é, ninguém me convence do contrário, uma atitude deplorável.
A deslealdade consubstancia a verdadeira traição entre pessoas que se respeitam e admiram.
A deslealdade abala as estruturas de uma relação. É mais séria do que qualquer desentendimento, mais grave mesmo que a própria infidelidade a que geralmente se atribui maior importância.
A deslealdade deixa marcas indeléveis: magoa para além do tolerável, quebra a corrente mais forte de confiança, rasga-nos por dentro, não deixa qualquer pilar de pé.
Nada a redime. Nada do que haja existido antes é passível de ser renovado - ou sequer recordado com carinho -, nada do que pudesse manter-se depois disso, como seja uma réstia de amizade, pode subsistir, porque a deslealdade é, por natureza, inolvidável.
Quem usa de deslealdade, prevalecendo-se até e sobretudo da confiança e lealdade do outro, mata, na verdade, ainda que sem arma.
E quem pretenda minimizar a importância de uma sua atitude desleal - agindo como se nada de relevante tivesse acontecido ou, até, como se a responsabilidade fosse, nesse ponto, partilhável - na expectativa de que, porventura pelo decurso tempo, o outro a reconheça também como negligenciável, só acrescenta maior desrespeito e desconsideração por aquele a quem foi desleal.
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