Estou a ler o livro «Cavalos roubados» que me ofereceu uma querida amiga. Comecei-o literalmente por indiferença (odeio o título, confesso) e prossigo a leitura por deleite. Per Petterson é norueguês, e o livro está pregado com sonantes prémios, e seguro com os habituais dez clips de extractos de boas críticas de uma a duas linhas cada, num dourado /acastanhado.
Como concluía com outra amiga hoje ao almoço, um livro patentear muitos prémios, hoje em dia, não quer dizer nada (para já não falar das críticas - há-as em todos os jornais e revistas para todos os gostos).
Numa entrevista recente (do Carlos Vaz Marques, talvez) a um escritor super galardoado (espanhol? argentino? chileno? - ignoro que esse senhor, não obstante brilhante entrevistador, esquece-se vezes demais que um ouvinte de rádio raramente ouve uma entrevista de fio a pavio...é da natureza da rádio, não há nada a fazer), a grande pergunta foi feita: o que é preciso para ter tantos prémios? Resposta: ter um bom livro não chega, é preciso sobretudo ter o editor certo, o distribuidor certo e o lobby certo. E de novo o entrevistador, desta feita com um sorriso na voz: - Foi o seu caso? Dispara o nosso homem de falar castelhano, com a exacta noção da provocação e manifestamente sem o tal sorriso: - Pois claro!
Ponto assente, portanto, que os prémios valem o que valem (não porque o senhor o tenha dito, mas porque é um facto) e que se gosto do livro é porque gosto, independentemente deles; e gosto hoje, mas amanhã já me pode não dizer nada, que só os clássicos aguentam o balanço dos tempos, sejamos honestos.
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Sou um bocadinho sublinhadora. Sublinho, às vezes, coisas que anos depois nem sei o que me levou a passar-lhes o lápis por baixo (mas só o facto de me perder a adivinhar as razões já me diverte, confesso).
Ontem à noite sublinhei toscamente: «Agora vou dar um passeio rápido até lá abaixo para pensar um pouco. Volto dentro de uma hora».
Há pouco peguei de novo no livro e dei com o sublinhado, entre outros. Mas fiquei a cismar neste em concreto e, aliás, de todos o mais singelo.
E é porque a razão daquele sublinhado é tão clarinha para mim agora quanto, suponho, não o será dentro de alguns anos, e sobretudo não o seria há vinte e cinco anos atrás quando as férias grandes pareciam não mais terem fim, que me apresso agora a explicar o seu fascínio para minha própria memória futura:
«Vou dar um passeio» - estamos numa Noruega envolta em frio e chuva e alguém anuncia que vai passear.
«Vou dar um passeio rápido (...) volto dentro de uma hora» - um passeio de uma hora, para os meus padrões de stress, não é rápido. Rápido é qualquer coisa que se faz em dez minutos.
«Vou dar um passeio rápido lá abaixo para pensar um pouco» - alguém admite que precisa de ir passear para pensar. Pode conceder-se, e concede-se, com naturalidade, uma hora de passeio para pensar. Não precisa de justificar uma saída com um vou às compras, ao cinema, correr com os auscultadores nos ouvidos...Não! Vai, simplesmente, passear para, também, simplesmente, pensar.
Simples, não é?
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