Monogamia e publicidade

Domingo de manhã. Carros buzinam na rua como se o Benfica tivesse ganho uma qualquer taça. Não ganhou, pelo menos que eu saiba. Um casamento, portanto.

Devia sentir amargura. Mas não sinto. Torço pela esperança dos noivos no projecto de vida que têm por certo. Pela confiança na lealdade mútua que alimentam. Revejo-me nesse papel que representam com inocência.

Antecipo a figura do padre perguntando se prometem amar-se e respeitar-se para toda a vida e eles que sim. Pergunto-me, apenas, se aqueles três terão consciência de que se trata tão só de «wishfull thinking» e não verdadeiramente de uma promessa.

A inocência do casal «sim» tem raízes judaico-cristãs que a sociedade nos inculca desde que nascemos e que, espantosamente, todas as evidências não afastam mesmo que sejamos ateus. O padre, por seu lado, saberá já que cumpre um ritual impossível e que, como tal, e em consciência, não deveria fazer prometer o que ninguém pode assegurar cumprir e que, por detrás de cada «sim» espreita, um conservador do registo civil ou um juíz pronto a ratificar o risco que os casais podem livremente colocar em cima daquele glorioso momento. Mas prossegue a sua batalha contra moínhos de vento.

A instituição de um único e feliz acasalamento para toda uma vida é uma miragem. Mas quem é que, nas sociedade judaico-cristãs, seria capaz de pôr em causa a sobrevivência do modelo «promessa de feliz vida em comum», formal ou informal?

Há uns dias, divertiu-me reparar que uma marca de carros se revelou particularmente perspicaz na detecção de que não há já, na prática, qualquer modelo monogâmico em vigor. A aposta é no mercado dos casados (em sentido amplo) várias vezes, com muitos filhos do actual casal e dos seus múltiplos anteriores acasalamentos para ir buscar, levar e ir de férias.

A publicidade, com o despudor que lhe é próprio, ri-se, sarcástica: querem fingir que a monogamia impera, problema vosso. Para nós, o que vocês ainda têm relutância em admitir chama-se negócio.

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