«Estive seis dias de cama com febre alta, tão fraco e abalado que o médico da família passava lá por casa todas as noites, para avaliar o progresso da minha doença, aquela não rara enfermidade da infância chamada porque-não-pode-continuar-como-era».
Philip Roth, in «Conspiração contra a América»
Foi com esta descoberta que a infância daquela criança de nove anos acabou verdadeiramente. Assim, de rompante.
Às vezes pergunto-me se poderá haver vidas que, no fundo, são infâncias eternas, nas quais não perpassa esse momento de dolorosa tomada de consciência de que nada poderá jamais ser como era.
É aquele ponto no tempo em que o mundo ganha mais um adulto e perde um infante. Uma inevitabilidade, daquelas muitas de que é feita a vida das pessoas comuns.
Nunca me esquecerei que, quando a minha avó materna morreu, a minha mãe, de lágrimas nos olhos me disse: -Sabes o que me dói mais? Perceber que, com o desaparecimento da minha mãe, a minha infância se foi definitivamente.
Acho que naquele exacto momento soube que, também para mim, era o adeus a um enorme e descontraído pedaço da menina que eu fora até ali. Porque a minha avó morrera e porque a minha mãe dissera aquilo.
Tive muita sorte: já tinha quase quarenta anos.
2 comentários:
é terrível. mais ainda quando desaparece o mundo tal como até então o conhecemos. quando as coisas passam a ter outras finalidades, outros destinos. quando os espaços passam a estar ocupados por outros afectos, mas no nosso interior, bem lá no fundo, queda irremediavelmente a sombra da perda. da perda desse mundo irrecuperável.
É isso mesmo, minha querida! E tudo isso dói muito mais do que seria justo, tolerável e até admissível. É o irremediável a impor-se. Sem volta.
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