Comida fumegante em cima da mesa, falta pão, ah pois desculpe vou buscar, epa ainda não trouxe o arroz, queres ice tea? hum está bem, coca-cola, mas não penses que é muita, um bocadinho só, põe-te direito à mesa, cheira bem, não cheira?....
Televisão interdita e, portanto, esquecida.
A conversa às vezes custa a arrancar, tipo guião de telenovela portuguesa, hum, como correu o dia à mãe? bem, com muito trabalho dizemos em uníssono, e rimos daquele momento coral porque mil vezes repetido e o teu, que fizeste na escola? Sinto-me a meter a segunda, mas também não me ralo, pode dar uma conversa gira ou em nada. Sem stress. Ele mete a terceira e a coisa avança:
- O T. fez hoje uma participação do J. , mas não teve razão porque o J. não fez de propósito. Estava a brincar com o telemóvel e o telemóvel caiu no chão e ele sem querer, que eu vi, pisou-o; era um daqueles cheios de botões que aparecem e desaparecem atrás do ecrã.
- Mas tu sabes quanto isso custa? - foge-me logo o jeitinho para o moralismo.
- Pois, não sei...quanto?
- Um balúrdio! Quanto exactamente, não sei mas é caro, de certeza - para que me meto nestas alhadas de comentar aquilo de que não percebo nada?
- ... todo espatifado e não é só ele, o X. também ali encostado à parede, a chamar os ladrões com uma psp último modelo; linda, mãe, linda, mas ali está, tztztztz venham cá ladrões, venham cá - e a mãozita em sinal de chamar um gato - é que não esconde nada, e depois um dia fica sem ela...
-Mas para que é que o T. precisa de telemóvel? - retorno ao tema que me interessa.
- Pois, não sei, é asmático...
- Ah bom, está bem, e tem de ser último modelo?
-É, tem razão, podia ser como o do R. que é mesmo só para telefonar, uma porcaria, mas é só para telefonar, mas tu sabes como é, o T. gosta de mostrar...
- Não é "tu" é a mãe, já estou farta de te dizer - não é fácil viver com uma mãe, sobretudo se essa mãe for a minha pessoa, admito, por isso, mudo rapidamente de tema.
- E o teste de história? - enfim, está bem, não melhorou, mas este assunto tinha de ser abordado com oportunidade, no dia seguinte seria tarde demais...
- Tsssssss! Seis páginas! Quatro todas certas e nas outras só umas coisitas erradas e suficiente, só suficiente!
Baixo-me um pouco sobre o prato, em sinal de confidência e baixo também o tom de voz, para que preste mais atenção:
- Confessa que estudaste pouco. Sabias umas coisas aqui e ali, mas nada de muito sólido. Boa nota no teste anterior e já sou o maior, não preciso de estudar muito...
Sorriso maroto.
-Pois, se calhar...
- Pois, pois, excesso de confiança, é o que é! - digo, um pouco triunfante demais com a admissão do erro, pelo que mudo estrategicamente de assunto, que não me apetece estragar o jantar, nem fazer o discurso «para o optimismo» que sinceramente sabia que ele não merecia, no caso - E a perna ainda te dói?
- (alívio na voz) Dói um bocado, mas se a mãe visse, sabe, o D., aquele que me deu com a chuteira? Bom, foi sem querer, mãe, a sério que foi, mas ele é meio esquisito: às vezes nem me fala, como se eu não existisse, e outras como hoje quando chegou falou-me muito bem, ali na conversa, a dizer graças para mim ...
- Xiii, detesto pessoas imprevisíveis...
- O que é que isso quer dizer?
- Diz-se daqueles de quem não podemos esperar que tenham uma reacção certa - não foi uma definição brilhante, mas acho que deu uma ideia.
- Ah, pois, ele é assim, mas hoje até estava querido e pimba, logo hoje sem querer deu-me com o piton...
- E tu, choraste? Chorei, quer dizer, gritei, mas depois não, aguentei-me bem... afinal quem joga futebol tem de se habituar a estas coisas. E eu já começo a habituar-me! - orgulho ululante.
- Pois, és valente, lá isso és- que eu não sou de regatear elogios.
- Mas que doeu, doeu...
Percebo, então, que o garfo está pousado há já dois minutos no prato e antecipo logo a pergunta que vem a seguir:
- Tenho de comer isto tudo?
- Hum, mais seis garfadas.
- Uma, duas, três, quatro, cinco, seis... ao menos a mãe não é como o pai que começa a dizer, uma, uma e meia, uma e três quartos... (pudera, eu já dissera seis para garantir as três que queria).
- Sim, mas não te livras da fruta.
- Tem mesmo de ser? O que há? (levanta-se para ir ver e buscar)...oops, dói-me mesmo o pé...
- Está bem, está bem, troglodita, já percebi, eu vou buscar, o que é que queres? Uvas, banana?...
Diálogo desinteressante? Pois é (este blogue é pouco divulgado para eu poder dar secas destas a mim própria quando me apetece), mas não o trocava por nenhum telejornal, telenovela, filme ou sequer documentário brilhante à hora do jantar. A conversa foi comezinha, banal, daquela banalidade de que são feitas as famílias, e é exactamente assim que eu gosto.
2 comentários:
não, não é desinteressante. é uma ternurinha. um beiinho prós 2
Leste??!!Pobre de ti! És mesmo minha amiga ;)). Acho que quando ele crescer do que ou ter mais saudades é deste «deitar conversa fora»...
beijinho, minha querdia
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