Não façam isto em vossas casas

O fim da leitura de «Mau tempo no canal», que acabou por alcançar a condição de um dos livros da minha vida (e que numa primeira leitura não tinha sido aí alcandroado), motivou-me a empunhar uma caneta e o meu Moleskine de capa vermelha e dirigir-me à estante de livros, com a intenção, há muito adiada, de descobrir quais, em boa consciência e rigor, seriam os 20 romances da minha vida.

Revendo, no fim, a miserável lista, percebi o erro temerário de tentar encontrar - mesmo que de nariz virado para uma estante pejada dos ditos e não de cor, repare-se - um número de obras que preenchesse o requisito essencial de me ter deixado literalmente imprópria para consumo de literatura nas semanas seguintes ou, no máximo, pairando distraidamente sobre um qualquer livro «light», no receio de que a sensação de plenitude induzida pelo primeiro se esvaia.

Eis, portanto, as conclusões a que cheguei e que são bem desanimadoras. Antes de mais, ou bem que me lembro, entretanto, de algum livro porventura escondido, emprestado e/ou perdido, ou fico-me pelos nove e uma hesitação, o que é frustrante para quem pensava poder contar calmamente com vinte e algumas dúvidas.

Acresce que o exercício acabou por criar um bouquetzinho de questões que não me fazem falta nenhuma neste momento: se a literatura me interessa verdadeiramente, se escolho bem as minhas leituras, se dedico tempo suficiente à literatura, se não deveria adoptar um método mais disciplinado de leitura, não me deixando infantilmente dominar pelo vício de ler muitos livros ao mesmo tempo e acabar um apenas de vez em quando...

E the last, but not the least, percebi que o meu «top nine and a half» não me torna socialmente recomendável: os livros são na sua maioria consensuais entre quem os leu e mesmo quem os não leu - este o maior defeito desta lista, aliás - não são recentes, empolgantes ou originais, e nunca brilhariam num jantar de amigos porque sobre eles não se discorre entre duas garfadas. São do género quem-já-os-leu-já-leu-quem-não-leu-não-os quererá-ler (enfim, ninguém há-de estar à espera de, aos quarenta e tal anos, ser aconselhado a ler o Mau tempo no canal, As memórias de Adriano, Os Maias, O Processo, ou Mrs Dalloway...).

Deste exercício cuja futilidade receio revisitar os resultados em breve, fica-me, para já, e por um lado, a vaga esperança de que a expectativa de que "um romance da minha vida" ao ritmo médio de um de dois em dois anos fosse demasiado ambiciosa (até porque estaria a contar a partir dos seis anos de idade, o que se chama «começar mal» já que, aos treze anos, muito exemplares dos livros de Odete de Saint-Maurice ainda rondavam a minha estante com grande destaque - ninguém é só defeitos, portanto, eu tenho esta qualidade de ser franca numa coisa destas) e, por outro, a quase certeza de que este é o tipo de acto lúdico a evitar nos próximos 20 anos.

2 comentários:

CarlosCP disse...

Afinal qual é o próximo livro que devo de ler?

antuérpia disse...

Ó meu querido amigo, tu nem te atrevas a pegar em nenhum daqueles livros. Se não ficarei privada das tuas belas fotos, que o tempo não estica :)).