30 dias como um cubano

Há um artigo curioso, exclusivo «Pública/Harper's Magazine» de domingo passado, «30 dias como um cubano», que relata a estadia de 30 dias de um repórter norte americano em Cuba, a viver com o salário de um nacional do país. Para além de ser americano, nado e criado no paradigma da sociedade da abundância, portanto, o Senhor Patrick Symmes é mesmo um seu dilecto filho, dado que, não só pesa 90 quilos, como mede ainda, constantemente, o que come em calorias, qual anoréctico.

O artigo tem muito de Cuba vista por dentro, porque ele vive de facto no meio deles, como eles e segundo a lógica deles, e de Cuba vista por fora, já que não só é estrangeiro, como mesmo norte-americano.

Apresentada numa mais ou menos tragicómica perspectiva, que passa muito por «eu-e-o-meu-estômago-em-Cuba», resume-se a descrever, praticamente dia a dia, como se sobrevive em Havana, de cumplicidade e expedientes, durante exactamente um mês, com 15 dólares no bolso, o correspondente ao salário de um intelectual cubano - sendo que o ordenado médio é de 20 dólares e a maior parte das pessoas ganha apenas 10.

No mais, o artigo tem tudo de habitual: as senhas de racionamento para o pão, arroz e açúcar (apenas este último em abundância), a indigência das lojas do Estado, a prostituição, os pequenos furtos e «pedinchices» sem subterfúgios que rendem a sobrevivência de grande parte de 90% de população que é funcionária publica e que tem por lema, eles fingem que pagam, nós fingimos que trabalhamos, a tendência para algum conformismo fortemente ancorado na condicionante económica, a dissidência apesar de tudo...

Fim do «spoilers» para um saltinho ao que se retira da reportagem: ela é uma metáfora à capacidade humana de adaptação a novos estilos de vida, ao muito pouco com o que se pode sobreviver.

Face ao incremento da crise que se avizinha, talvez possamos retirar para nós, portugueses, a lição de a encarar sem excessivos dramas, lembrando-nos até de que, beneficários de um sistema democrático que desafortunadamente falha aos cubanos, podemos usar da imaginação que eles ali revelam para, em Portugal, de forma lícita, aguçar o engenho (e, já agora, literalmente a arte) e dar a volta ao problema.

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