Coisas que acontecem
"A chuva ainda não parou. Há um mês
o mercado abre as sua portas
sob o negro das casas. Posso voltar as vezes
que quiser e ver sem nenhuma alegria
a queda impercepítivel à nossa volta.
A sombra entre jardins. Esta profusão
de jardins, muros de terra.
A luz se viesse daria uma segunda cidade e
uma forma de vida. Marítimos não sabendo uma
palavra de português ou árabe é
para o porto é para os barcos que querem ir.
Este refúgio entra gloriosamente na chuva.
A cidade não tem nenhuma farol por isso os
navios vêm até à última vaga.
Do outro lado da praça fica o café.
É um refúgio de negros. Os gritos do porto
chegam até ao rapaz que me trouxe. Estende-
-me um cigarro, conta-me os reclames do
extenso muro, os seus amores.
Sem fim. Sem caminho. Eu gosto da preguiça
desta praça. Sob este céu e chuva
lembro-me mais daquilo que não fui."
in "Poemas escolhidos", Assírio e Alvim.
[Para a minha querida Io que, num verão de tardes sem fim e serões sem rumo, no V.F., me ensinou a gostar de João Miguel Fernandes Jorge .]
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