Querido Diário vírgula
Tem andado a chover muito por cá e hoje até já começou a fazer frio, apesar de ainda antes de ontem ter estado um calor medonho, eu não gosto nada do frio mas a mãe está muito contente porque diz que não havia nada mais aborrecido do que as meias estações em que uma pessoa nunca sabia o que havia de vestir, mas eu acho que a mãe queria dizer é que nesta época de osteridade ou austeridade, ou lá que é, é bom só haver uma estação quente e outra fria, para não ter de comprar roupa que não é quente nem fria, para mim e para o meu irmão, quando a mãe disse isso, o meu irmão, que está naquela idade parvinha, desatou a rir e disse que achava que devia ter sido encomenda do primeiro-ministro, ou presidente ou isso, porque se se está a acabar com as estações e com os comboios, é bom que se acabe também com os apeadeiros, eu não achei graça à graça porque não sei lá muito bem o que é um apeadeiro, mas quando perguntei ao Cajó, que é o meu irmão que tem borbulhas gigantes na testa, ele disse que nem valia a pena eu aprender, que quando crescesse não haveria em Portugal sequer estações quanto mais apeadeiros, que isso ia ser tudo História e que depois eu ia ver que a História é uma ganda seca, mas eu também não percebi o que é que as estações do ano tinham a ver com os comboios e com a História e continuei a fazer a cópia sobre as estações do ano, e ele então começou a rir-se muito alto e disse-me que não me esquecesse que agora as estações do ano, aquelas que ainda existem e as que estão a desaparecer, escrevem-se todas com letra pequena, e depois começou a dizer que era por causa do simplex, para a gente não ter de pensar muito a carregar no queps loque, mas eu também já tenho sete anos e disse-lhe que achava que ele estava enganado, que não era por causa desse simplex que eu, por acaso, também não sei bem o que é, mas por causa de um acordo que os de cá tinham feito com os brasileiros das telenovelas, e com os senhores dos outros países que também só quase-quase falam português, mas que querem todos escrever exactamente na mesma língua, embora depois se vá a ver e não seja bem assim, porque eles podem escrever baptismo com pê e nós temos de escrever sem pê, o que afinal não tem sequer muita importância porque, na minha família, a mãe já disse e está dito, não vai haver mais batismos nem com pês nem sem pês, porque parece que a osteriadade também não deixa fazer festas de batismo porque são muito caras, a osteridade parece que é filha da troica que eu nunca vi, mas também nunca conheci a tal osteridade, só que isso a mãe diz que é natural porque eu só tenho sete anos, e a última vez que ela esteve em Portugal já foi há muitos anos, quando não havia férias no Brasil, nem nas Maldivas e os miúdos iam todos para as escolas públicas e os pais diziam que eram muito boas porque eles também lá tinham andado, embora agora toda a gente veja que elas não deviam ser assim lá grande coisa, porque os políticos que mandam no país desde há muitos anos e aqueles que gostavam de ter mandado e os que hão-de vir ainda a mandar, parece que andaram lá todos, e as coisas não estão lá muito bem no país, até se diria que eles andaram todos foi na escola pública grega e que, portanto, não perceberam nada do que lá lhes ensinaram, se até os gregos, que percebem a língua, pelos vistos não aprenderam nada, como é que os portugueses podiam aprender, não é, deve ser por isso que alguns deles se sentam naquele lugar que parece que se chama assembleia, assim todos voltados para os professores com ar de quem vai aprender muito, e depois vai-se a ver e nunca aprendem nada, mas o Cajó diz que até estaríamos bem se isso fosse só em Portugal, que é um país que, por enquanto, ainda se escreve com letra grande, mas não se sabe por quanto tempo, já que se está mesmo a ver que a osteridade, ou o simplex, ou aquele acordo dos senhores brasileiros da telenovelas, já nem sei, também nos vai tirar a letra grande de Portugal, olha querido diário, vou dormir que eu não queria mas a mãe está ali a dizer que não é mas, nem meio mas, é já para a cama e mais nada, até amanhã!
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