Até me tinha esquecido
O T. parecia mordido pela mosca tsé-tsé. Dormira grande parte da tarde, e mal acabara o jantar desaparecera para se deitar. Enfim, idade da "aborrecência", como ouvi descrita com graça no outro dia.
A minha amiga e eu iniciáramos uma qualquer conversa risonha na cozinha, enquanto o marido dela fora lá para fora fumar. Alentejo interior, meados de Junho, sábado à noite. Por entre as gargalhadas dos filhos deles, na sala, ouvimos um - Ei, apaguem as luzes todas e venham cá fora.
Saímos e nem queríamos acreditar. Corri a acordar o T.. Queria lá saber da mosca tsé-tsé, ainda que todos gritassem, deixa-o lá, coitado, está cansado. Barafustou, surpreendido, mas foi.
Não sei se daqui, agora, não estarei a multiplicar ao infinito o número de estrelas que se viam por entre os sobreiros, ao som das exclamações dos meus amigos que descortinavam, com os filhos, algumas constelações, no assombroso emaranhado de pontos de luz. Mas, decididamente, não me lembro de nada semelhante àquela vertigem de me sentir numa redoma de estrelas de dimensões variadas, e quase variáveis, em que cada uma por si só, ou pela sua luz cintilante, e em conivência com todas as outras, se esforçava por não deixar nenhum pedacinho de céu negro.
Por fim, com a frescura da noite já bem para lá da flor da pele, ainda deslumbrados e abraçados, devolvi o T. à cama, enquanto comentava, didacticamente - Impressionante, filhote, não é? Na cidade, em Lisboa, com todas aquela luzes, não se vê isto. É uma estrela aqui, outra ali...
Praticamente já dormia, mas ainda murmurou :- Lá só se vê as mais luminosas, não é? Até me tinha esquecido que no céu havia tantas estrelas.
Apaguei a luz, fechei a porta de mansinho e pensei, também eu.
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2 comentários:
bela metáfora, querida. Bela metáfora e belíssima história.
:)) muitas estrelas daquelas só para ti, querida Io.
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