Um estatuto digno para o doente crónico
Curto e grosso. Uma amiga minha sofre de esclerose múltipla. Pese embora seja uma pessoa absolutamente apta a trabalhar - aliás, presta ainda um excelente serviço voluntário numa associação -, enquanto funcionária pública estabeleciam-lhe objectivos anuais que ignoravam olimpicamente o facto de ser uma doente crónica, sendo que não havia, nem há ainda, regime legal que pudesse invocar para lhos reduzirem, mantendo ela o seu posto de trabalho, como seria digno e justo.
Ironicamente, apesar de ainda muito válida para o país que a formou com estudos superiores, viu-se obrigada a pedir reforma antecipada por invalidez, com pouco mais de quarenta anos.
Extracto das motivações de um pedido de audiência dirigido ao Ministro da Saúde, datado de 11 de Julho, por um grupo de pessoas que querem ver aprovado o Estatuto Jurídico para o Doente Crónico (EDC) o mais depressa possível:
«(...) - Este tipo de doenças, quando não devidamente tratadas e acompanhadas, podem ser incapacitantes.
- A grande maioria dos doentes crónicos quer trabalhar, mas para isso é necessário fazer ajustes, nomeadamente nos objetivos a cumprir.
- Uma doença crónica obriga em muitos casos, a ter várias baixas ao longo do ano. Injustamente, são descontados os dias que faltam, como se se tratasse de uma doença normal. além disto é exigido o mesmo ritmo de trabalho, mesmo durante as crises que o doente tem ao longo do ano.
- O Estado terá menos despesas se criar condições para os doentes crónicos. Por exemplo: com alguma isenção de horário, o doente evita ficar de baixa o dia todo, e assim adiar a reforma antecipada por invalidez. Poderia haver a possibilidade de uma baixa parcial, isto é o doente pode ficar de baixa uma tarde ou uma manhã, sem ter de ficar o dia inteiro.
-Um doente com cansaço crónico (esclerose múltipla, fibromialgia...) poderia ter um horário reduzido ou uma isenção temporária do seu local de trabalho para descansar. Sairia mais barato ao estado esta pequena alteração, do que o doente ficar de baixa ou pedir a reforma antecipada por invalidez.
- Atualmemente, um doente com ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica) tem uma esperança de vida de três anos. É justo/digno obrigar este doente a trabalhar até morrer?
- A legislação existente em Portugal não define com clareza e rigor técnico científico o que é uma doença crónica, sendo suportada em documentos oficiais dispersos e muito incompletos.
- Em Portugal, estima-se que milhares de pessoas sofrem de doença crónica. Um doente crónico debate-se com vários problemas burocráticos causados pela falta de diplomas atentos à suas dificuldades que passam por problemas físicos, emocionais e psicológicos, familiares e ainda profissionais e educacionais. (...)
- Alguns destes doentes lamentam-se dizendo que a doença crónica pode ser deveras incapacitante, pode acontecer a qualquer um de nós em qualquer idade e quando menos se espera. Dentro do universo das doenças crónicas cabem todas as doenças para as quais já não existe retorno. E por muito saudáveis que ainda sejamos, todos nós somos potenciais doentes crónicos. Lembramos que cabe ao Estado a competência para criar condições para que um doente crónico mantenha a sua dignidade e qualidade de via.
- Com a criação do EDC, pretendemos definir o que é um doente crónico e quais são as doenças crónicas. E assim serem reconhecidas as incapacidades em função da doença e não da TNI [Tabela Nacional de Incapacidades] ("tabela das seguradoras") (...)».
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