"Cândido" e " A vidente de Sevenwaters"


Estas férias, lembrei-me de um artigo delicioso que li recentemente, publicado em "Porquê ler os clássicos?", de Italo Calvino (Teorema), a propósito de "Candide" de Voltaire, intitulado "Candide ou a velocidade".

Diz-se ali: «No Candide hoje não é o conto filosófico que mais nos encanta, não é a sátira, não é o tomar a forma de uma moral e de uma visão do mundo: é o ritmo. Com velocidade e leveza, uma sucessão de desgraças, suplícios e massacres corre pela página, faz ricochete de capítulo em capítulo, ramifica-se e multiplica-se sem provocar na emotividade do leitor outro efeito que não seja uma vitalidade hilariante e primordial". E prossegue, explicando como é possível em três páginas ser relatado como Conegundes viu esquartejados pai e mãe pelos invasores, foi violada, esventrada, comprada, reduzida à condição de lavadeira, objecto de comércio na Holanda e Portugal, partilhada em dias alternados por dois protectores de fé diferentes e mais, e mais e mais.... quem já leu reconhecerá com um sorriso o quanto esta caracterização é absolutamente verdadeira.

Comiam-se bolas de berlim na praia, e o T. - na idade em que qualquer livro de 100 páginas é um tédio do tamanho de dois universos - lia "A vidente de Sevenwaters", de Juliete Marillier (Planeta), de 400 páginas.

Banhos de mar, e corrida para a toalha para dez páginas. De manhã cedo, caminhava estremunhado para a sala, olhava-me de esguelha e lá iam mais umas tantas. Antes do almoço, bom pretexto para se escusar a pôr a mesa, e depois, bem aproveitada a minha perplexidade para levantar apenas o seu prato, isolava-se para ler duas boas horas. À noite, nada o demovia da leitura, preteridos jogos, conversas e televisão. Quatro dias e meio, 400 páginas! O filho da minha amiga que lho emprestara ria por lhe ter acontecido o mesmo.

Stop. Stop. Como não devem estar à espera que leia um livro com personagens videntes que não me atrai para perceber o que se passa, alguém me explica o que tem este? Ambos, em uníssono: ritmo, ritmo, é sempre a andar, não tem engonhices, estão sempre a acontecer coisas, queremos sempre saber o que vem a seguir, porque vêm sempre mais e mais coisas.

Velocidade. Vertigem. Nada se inventa, claro. É só seguir os clássicos. Mas duvido que a senhora Marillier tenha feito melhor que Voltaire, pelo que um dia destes terei de apresentar ao T. o "Cândido".

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