"Os maridos das outras" é a canção que Portugal trauteia este verão. A letra, de Miguel Araújo, muito bem esgalhada aliás, tem sido sujeita a tratos de polé interpretativos e, "silly season" para que te quero, também dei comigo a pensar onde vai ela buscar o seu lado cómico.
Já ouvi classificá-la como uma canção irónica. Dou de barato que seja a figura de estilo que marca a ideia da letra, mas não me parece que ao longo dos versos se diga, no essencial, o contrário do que se quer dar a entender (Houaiss da Língua portuguesa).
Então, como e porquê que a letra nos diverte, toda ela e não apenas a sua ideia? Creio que o efeito cómico é provocado, sobretudo, pela forma como Miguel Araújo tira proveito, não de uma, mas de duas falácias (erros de argumentação) conjugadas, próprias de algum tipo de raciocino feminino sobretudo urbano (português?), intuído na expressão "toda a gente sabe que...".
A primeira falácia é a de que os homens são "brutos", "feios", "lixo" e "animais", se forem os nossos maridos. E é uma falácia porquê ? Porque se alguns o serão, outros não o são. Logo a informação está incompleta, e portanto trata-se de uma generalização abusiva destinada, no caso, a fazer rir.
A segunda falácia é a de que "os maridos das outras" são em absoluto o oposto, o que estatisticamente também nunca poderia ser verdade. As expressões exageradas como o "arquétipo da perfeição", "pináculo da criação" e "amáveis criaturas" acentuam a extensão do equívoco, aumentado portanto a comicidade da ideia.
Tudo isto é envolto de facto - chegámos lá - num manto bem pouco diáfano de ironia: quando se diz que os nossos maridos têm carradas de defeitos, que os maridos das outras não têm, e "que servem para fazer felizes as amigas da mulher", obviamente que se quer dizer o inverso, isto é, "vocês são tontas ou quê"?
No género canção de verão, é uma letra mesmo muito bem achada, e revela uma olhar fino, inteligente e risonho sobre alguns vícios de raciocínio femininos.
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