Ensino profissional: isso é lá ameaça que se faça?
Ontem à tarde, na aldeia da Região Centro onde nasceu o meu pai e passamos férias, um miúdo sardento de sorriso luminoso maior que ele próprio, pertencente a uma das famílias mais pobres da aldeia, vem chamar o T. para jogarem à bola. Enquanto o T. se prepara, faço conversa.
- Olá. És o C., não és? Quantos anos tens?
- Tenho 12.
- E andas em que ano?
- Passei para o 6º ano... mas o meu irmão mais velho chumbou outra vez no 7º...
- Hum... e que idade tem ele?
- Tem 15 e já chumbou duas vezes no 7º. Agora já o ameaçaram que se chumbar mais vai para o profissional...
- Ah é? Para o profissional?
- É, mas ele não se rala. Não quer saber. Diz que se o obrigarem a ir estudar outra vez para o Porto, chumba outra vez...ele quer estudar aqui, mas a minha mãe nunca deixa porque nós vivemos no Porto, e só passamos as férias aqui na casa da minha avó...
O T. surge de ténis já calçados e os dois desaparecem.
Percebi já à noite, e por acaso, que aquela é "a sua história", a que conta a quem o quiser ouvir, porque sabe que provoca a maior estupefacção: um irmão, misto de herói e malandreco teimoso que, mesmo arriscando-se "a ir para o profissional", insiste em reprovar por não querer estudar no Porto.
Desconheço de todo se, para o irmão do C., não será mesmo mais adequado o ensino profissional.
O que parece evidente é que os dados estão lançados para o garoto: uma escola que não acudiu atempada e eficazmente - em "eduquês", interveio precocemente -, e que agora se limita a esperar que uma ameaça produza um efeito mágico; uma família insuficientemente instruída e preparada para lhe desmantelar o raciocínio imaturo; um Ministério da Educação que não quer saber nem de uma coisa nem de outra, e se prepara para "despejar o problema" do tamanho de um miúdo de 15 anos no ensino profissional.
E tudo isto com óbvio prejuízo do garoto, mas também da reputação do novo modelo de ensino profissional.
Muitas vezes o problema não está no que se faz, mas como se faz: se o ensino profissional em Portugal em vez de surgir como opção válida e socialmente aceitável que é, for apresentado como solução/punição para problemas que a escola não resolveu a montante, vai manter-se uma utopia que funciona muito bem desde que não tenha portugueses dentro.
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