Das nossas âncoras particulares
Amanhã, a Senhor Merkel aterra em Portugal, para uma estadia de breves horas. O país divide-se, quanto à forma como receber a chanceler alemã, e se ela é ou não culpada do aprofundamento da crise europeia em geral, e portuguesa em particular.
Francamente, atingi um ponto em que já não me apetece procurar culpados, nem admitir ou recusar responsabilidades, nem tão pouco esperar que alguém seja capaz de resolver a situação. Dei comigo a pensar, ao invés, o que é que nos impede, aos portugueses, mas também aos restantes europeus, de virarem a mesa, e começarem do zero? De repente, percebi: Londres e Paris.
Numa passagem de um dos livros do Quarteto de Alexandria, "Mountolive" de L. Durrell (Ulisseia), uma das personagens, Clea, num momento que antecedia a 2ª Guerra Mundial, questionava-se, a certa altura, sobre a possibilidade de efectivamente existirem bombardeiros que destruíssem capitais inteiras. Comentando que sempre julgara que as invenções do homem reflectiam os seus secretos desejos e que, no fundo, todos desejavam o fim "desta civilização", acabava por concluir: "Sim, mas será doloroso perder Londres e Paris. Que acha?"
O que nos faz recear começar do zero, percebi só então o óbvio, é mesmo isso: cada um de nós, portugueses, mas também europeus, rejeita a ideia de perder as suas Londres e Paris particulares. É o pânico de que deixem de existir, pelo menos como as conhecemos, que nos mantém ancorados a uma União Europeia tão absurdamente vacilante nas suas convicções.
Resta saber se estas âncoras nos impedirão de sermos arrastados pela tempestade, ou se nos levarão a afundar à sua passagem.
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