Deflação? Medo, muito medo


Economistas alertam para o risco de deflação em Portugal
Por Sérgio Aníbal
In Público, 17.12.2012

Pela primeira vez desde pelo menos 1978, o deflator do PIB caiu em Portugal para valores negativos. Se o fenómeno se prolongar, o país pode arriscar-se a cair na armadilha da deflação

  • Para o Governo e para a troika, é apenas uma redução não permanente dos custos que irá ajudar o país a reconquistar a competitividade perdida, mas são vários os economistas que vêem a recente descida da variação dos preços na economia para valores negativos como mais um sinal de que Portugal se arrisca a cair na perigosa armadilha de uma deflação prolongada.

    No segundo e no terceiro trimestre deste ano, pela primeira vez desde pelo menos 1978 (o primeiro ano das séries longas do Banco de Portugal), o deflator do PIB - que mede a variação dos preços no total da economia, não apenas no consumidor - registou valores negativos.

    Este resultado inédito deverá conduzir, segundo as últimas previsões da OCDE, a que, no total de 2012, se venha também a registar, pela primeira vez em décadas, um deflator do PIB negativo.

    A taxa de inflação no consumidor está também a descer, tendo ficado abaixo da barreira dos 2% em Novembro, mas sendo ainda sustentada por subidas homólogas de preços significativas em bens como os combustíveis e pela subida do IVA operada recentemente.

    Para Luís Campos e Cunha, professor na Faculdade de Economia da Universidade Nova, há nestes números um sinal de alerta que é necessário levar em conta. "Infelizmente, vejo essa evolução como sinal de uma "recessão com deflação". É uma combinação muito perigosa porque não temos política monetária nacional e a política orçamental só pode agravar a situação, em consequência da quase bancarrota de 2011", explica.

    O ex-ministro das Finanças e ex-vice-governador do Banco de Portugal considera ainda que "a deflação possivelmente não é mais aparente e não se mostra nos preços do consumidor, porque há efeitos do IVA". "Só o tempo poderá confirmar ou não os meus receios", afirma.

    À primeira vista, uma descida de preços na economia poderia parecer uma boa notícia, uma ajuda para que os portugueses enfrentassem melhor a descida de rendimentos que já sofreram e que se irá intensificar no próximo ano. No entanto, por trás dessa vantagem aparente, a deflação esconde perigos bem mais graves, que já foram comprovados no passado durante a Grande Depressão dos anos 30 do século passado ou na crise japonesa iniciada nos anos 90.

    Uma deflação prolongada coloca os países numa situação em que, devido a uma expectativa permanente de descida de preços, o consumo das famílias e o investimento das empresas não arrancam, deixando a economia num estado de autêntica depressão.

    Será isto que está a acontecer a Portugal? João Rodrigues, investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, acha que sim. "O espectro da deflação é a melhor indicação de que podemos, graças à política de austeridade permanente que comprime a procura, estar a sair da recessão para entrar na depressão", afirma.

    No programa de ajustamento acordado entre as autoridades portuguesas e a troika, a história é contada de outra forma e aponta para um final diferente. Aí, a contracção de custos na economia é apenas vista com um passo necessário para que a economia portuguesa reconquiste a competitividade perdida. A fuga a uma espiral depressiva aconteceria neste caso graças ao sector exportador.

    Luís Campos e Cunha reconhece o desempenho positivo das exportações, mas teme que isso não chegue por si só para travar a ameaça da deflação. "Como sempre defendi, a competitividade da economia portuguesa para exportar não era um problema e a prova disso tem sido o excelente desempenho do sector", afirma.

    João Rodrigues não vê qualquer sinal positivo nas contas externas. "Os últimos dados do INE apontam para uma forte desaceleração do crescimento das exportações, em grande parte devido à replicação das políticas de austeridade nos principais mercados europeus de destino das nossas exportações. A correcção do desequilíbrio externo é feita cada vez mais à custa do colapso do mercado interno", afirma.

    Um dos maiores problemas que a deflação traz a um país fortemente endividado como Portugal é que torna ainda mais difícil a amortização da dívida. No seu último relatório, a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) alerta para este perigo. Um deflator negativo do PIB, contra as previsões do Governo, significa que o PIB nominal vai cair ainda mais do que o projectado, o que faz com que o peso da dívida pública na economia seja ainda maior e, por isso, mais difícil de pagar.

    "Se se vier a confirmar tal situação, de facto, ficará mais complicada a tarefa de estabilização das finanças públicas", reconhece Campos e Cunha.

    João Rodrigues lembra uma frase do economista norte-americano Irving Fisher, sobre a forma como interagem a deflação e a dívida: "Quanto mais os devedores pagam, mais os devedores devem".

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