Há alguns mitos na educação da nossa crianças que nos são incutidos diariamente e que há muito me apressei a destruir, em benefício da minha sanidade mental.
Mito nº 1 - A geração dos 35- 45 anos actual educa pior os seus filhos do que a educaram os seus pais (chamemos-lhe a nostalgia da educação dos anos 60/70 do século passado).
É verdade que enquanto pais, hoje em dia, estamos menos tempo em casa com os nossos filhos, em média do que o tempo que os nossos pais estavam connosco. Ou pelo menos, as mães que que não trabalhavam. A minha mãe, por exemplo, acabou professora de liceu, após anos de recuperação do simples quinto ano do liceu e de um Magistério primário, nível de educação máxima que o regime salazarista - cuja bondade o meu avô partilhava com o senhor que lhe deu o nome - lhe permitira. Até então, lembro-me sobretudo muito dela a cuidar de mim e do meu irmão, a alimentar, a vestir, a lavar a roupa, a passara a ferro, com a ajuda do que sem pudor então se chamava mulher-a-dias.
Do que me lembro bem era das horas e horas a fio a brincar e a brigar com o meu irmão, no quarto, na sala, na cozinha, em todo o lado...e em lado nenhum. A minha mãe, algumas vezes que a sua escassa disponibilidade lhe permitia certamente, lá arranjava uns bocadinhos a jogar connosco, a brincar a qualquer coisa, mas poria as mãos no fogo se o fez mais de um quarto das vezes que o fiz, eu própria, com o meu filho. A outra avó do meu filho, ao que sei, compensava com tempo e com paciência a falta de estudos e enchia-lhe os ouvidos de «histórias morais». Fazia bem...de alguma forma o valores tinham de ser transmitidos aos petizes.
As vezes que já fiz os trabalhos de casa com ele - ou até que a minha própria mãe já o fez com o neto - têm bem pouco a ver com o número de vezes que ela os fez comigo.
Isto, porque ao contrário do que a nossa nostalgia enganosamente imagina, mesmo as mães que estavam em casa, que não trabalhavam, entretinham-se, com a lida da casa e com as roupas que era necessário arranjar para a família toda. Pois, é verdade. Não obstante contar com alguma ajuda doméstica, a verdade é que a minha mãe, até começara estudar - altura em que muito provavelmente deixou um pouco da lida da casa para trás - concentrava os seus vinte e poucos anos à difícil tarefa de organizar um apartamento de quatro pessoas.
E não era fácil. Enumero os que não se lembram: não havia máquina da roupa, nem da loiça, as camisas do meu pai eram de popeline (experimentem passá-las, aquilo era uma ciência, a empregada seria praticamente só para isso),os lençóis eram todos de algodão e integralmente passados com precisões que me abstenho de enumerar embora ainda as saiba muito bem, as fraldas, meus senhores, eram de pano e lavadas diariamente, várias vezes, não se facilitava nada, que sós assim se era uma boa dona de casa; os pequenos-almoços, almoços, lanches e jantares estavam sempre todos a seu cargo, os banhos dos miúdos, a modista - não havia zaras e afins -os bolos eram batidos à mão e uma boa dona de casa fazia alguns de vez em quando pelo menos;almoçar ou jantar fora, no dia em que o rei fazia anos...E os pais? Esses apenas trabalhavam fora, competindo-lhes trazer o dinheiro para casa.
Será, então verdade que as mães - para já não falar dos pais - estavam mais próximas das crianças que nós éramos do que nós estamos dos nossos filhos? Na minha opinião, não estão mais perto, nem estão mais longe. Estão mais perto as que, então, e apenas por contornos de personalidade estariam mais perto e, mais longe as que, pelos mesmos motivos, antes estariam mais longe. Há simplesmente mães que nasceram para ser mães, que nessa função e independentemente de trabalharem ou não, gostam de ser mães - era o caso da minha e de mim própria - e há mães para quem esse facto é um mero acaso do destino...preferem ir às compras, passear, ler, estar com as amigas e até mesmo trabalhar, do que conseguir uma aproximação eficaz com os filhos. Gostos, apenas gostos.
Vale isto por dizer que de facto, as mães não tinham mais tempo para nós do que nós temos para os nossos miúdos, hoje. O que acontece é que elas viviam com muito menos complexos de culpa do que nós vivemos.
Mito nº 2 - Damos mais brinquedos do que nos davam a nós porque os queremos compensar do pouco tempo que temos para eles.
Ponto um - os nossos pais não nos davam menos brinquedos por convicção mas por exclusão. Os carrinhos com que o meu irmão brincava eram importados de Inglaterra, não da China, baratos portanto à custa do dumping social. Aqueles eram caros e, consequentemente, a sua compra racionada, logo por aí. Comparativamente, todos os nossos brinquedos e livros infantis, eram bem mais caros do que são agora. Depois, havia a firme convicção de que o dinheiro disponível era para poupar. As crianças tinham um brinquedo no Natal e outro no aniversário, porque ninguém nadava em dinheiro.
Ponto dois - Independentemente da época em que se vive, sempre houve pais mais generosos com os filhos e outros que, por convicção, também, achavam que não tinham de lhes dar mais do que davam. A minha amiga Nita tinha um órgão, repito, um órgão! Fiz notá-lo à minha mãe, tal como o meu filho me faz notar a mim que o colega X tem uma piscina; e, tal como eu, ela encolheu os ombros e disse - E daí? Hoje, o meu filho tem um piano electrónico, mas não tem uma piscina. Ponto três - Ao invés do que antes acontecia, há menos pais que sabem dizer que não.
E se não sabem dizer não, é porque confundem culpa e autoridade...sempre que exercem autoridade, não sabem se o fazem por culpa de não passarem mais tempo com o petiz a quem agora tentam impor respeito por regras e disciplina se, porque é assim que se educa crianças (mesmo que não se acerte sempre....).
Mito nº 3 - Como não temos tempo para as nossas crianças, enchêmo-las de actividades.
Nasci em 1964 e até 1970, não houve televisão lá em casa. Não me perguntem se por convicção se por mero desinteresse dos meus pais. O meu sonho constante era o de ir para casa dos meus avós onde uma maravilhosa televisão a preto e branco brilhava na sala. Essa televisão emitia, imagine-se, desenhos animados, apenas entre as 18 horas e as 18.30 m. Mas mesmo quando eu atingia esse meu objectivo máximo, os meus pais tinham por garantido que das 12 a 14 horas que eu estava acordada durante o dia, apenas meia hora era dedicada a desenhos animados, durante a semana; mas mais do que isso, que esses desenhos animados eram sempre de uma candura extrema, chegando mesmo, ao fim-de-semana, a ser apresentadas por um senhor chamado Vasco Granja que os ía buscar a inocentes países de leste (quem se lembra do «lápis mágico»), ou a ver séries como o «Olho vivo», «Casei com uma feiticeira» ou o «Bonanza». Parecendo que não, era um descanso, e não havia qualquer culpabilidade associada a isto. Quer dizer, mesmo que os meus pais não prestassem muita atenção à minha educação - o que, por acaso, não era de todo o caso - que mal me podia advir daqueles momentos televisivos? E da tele -escola, quando chegava a casa, alguns anos mais tarde?
Por isso, o meu tempo era repartido entre a escola (pública que as privadas eram para os mais inaptos), a leitura - li a colecção dos cinco, dos sete, das gémeas, do colégio das quatro torres, do Langelot, cada uma cerca de 10 vezes ou 20 vezes -as muitas brigas e algumas brincadeiras com o meu irmão e...a rua. Pois, claro, a rua e os amigos recrutados ali. A rua onde nos perdíamos durante manhãs e tardes, dias e dias de fins-de-semana e de férias, horas e horas esquecidas. Em que nós nos esquecíamos dos pais e eles se esqueciam de nós, até que um aparecesse em casa com um joelho botado abaixo, por se ter estampado de bicicleta.
Aos nossos pais, nestas condições, não lhes passava pela cabeça terem de nos entreter. De vez em quando lá nos levavam ao cinema ou ao teatro, agora actividades de Verão, de Natal, de Páscoa?! Nem havia! Para quê?
Compare-se, portanto, tão só, o que é comparável.
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