Conheço-os, de vista, há já alguns anos. Dir-se-ia até que são bem pouco simpáticos. No elevador, bom dia, boa tarde de sorriso ausente. Eles, e o cãozito de raça indefinida. Altos, magros, denunciando rigor no que comem e bom gosto discreto no vestir. Podiam até nem ser portugueses. Usam, aliás, o ar altaneiro próprio dos colonos anglo-saxónicos, que não provoca, nem permite, conversas de circunstância.
Marido e mulher, parecem, todavia, senão gémeos, pelo menos irmãos. A idade acentua-lhes as semelhanças. Envelhecem ambos como secam as flores dentro dos livros, preservando-nos a exacta memória do que foram.
Ontem, caminhava desalmadamente pelo parque urbano, quando se atravessaram, suaves, no meu caminho, ignorando-me ostensivamente. Qual hamster na roda, passei várias vezes pelo banco onde se haviam sentado. Na minha primeira volta, ambos olhavam o fim do dia, em silêncio. Nas seguintes, ela deitara-se, cabeça no colo dele, procurando com o rosto, os últimos raios de sol. Não percebi se falavam, mas sei que se ouviam.
De «Wendy e Lucy», a sua realizadora, Kelly Reichardt dizia ontem ao Ípsilon: «Num mundo ideal, penso que se tirarmos todos os diálogos, um filme ainda funciona».
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