Leio no "Jornal de Negócios" de ontem : a troika, em Setembro, antecipou uma queda do PIB muito mais acentuada em 2011 do que em 2012; o Banco de Portugal ao invés, já em Outubro, previu uma queda mais acentuada do PIB em 2012 do que em 2011.
Confesso que não pude deixar de sorrir com os motivos pelos quais a troika se enganou: "porque tinham a convicção de que a procura interna iria travar a fundo com o anúncio da ajuda internacional".
As troikas do mundo, esse clubes de selectos técnicos dos números, deviam aparecer nos países a intervencionar munidos de sociólogos/psicólogos, para falharem um pouco menos as suas previsões. Se o fizessem, provavelmente, perceberiam que ter aquela convicção relativamente ao povo português é uma absurdo risível.
Os portugueses padecem de três características que são boas ou más, dependendo apenas da perspectiva pelas quais as olhamos, mas que prejudicam previsões de quem, arrogante ou inocentemente, as não tem em conta.
A primeira: os portugueses são tão ingénuos ou ignorantes que não sabiam o que implicava uma ajuda internacional (a última intervenção do FMI já lá vai e nem foi especialmente dura para um país sentado ainda numa lógica de pensamento salazarista). Para o português médio, quando foi anunciada, ajuda internacional significava alguém que, bondosamente, vinha dar a mão a outro alguém. Contrapartidas? Ah, pois, logo se vê -como dizia M. Soares há uns anos, o dinheiro há-de aparecer.
É neste momento que entra a segunda característica portuguesa que espantaria qualquer povo menos conformado: uma confiança ilimitada e quase bovina nos governantes (e já agora, nos banqueiros, graças aos deuses neste caso, porque então seria bonito), só porque são governantes. A lógica é que por muito maus que já tenham provado ser, sempre são as elites do país e, portanto, hão-de proteger-nos.
Curiosamente, mesmo quando os tais governantes medíocres decidem explicar a verdade, alertar para as consequências até porque não têm outra hipótese, entra a terceira característica espantosa dos portugueses, a saber, uma inigualável falta de imaginação relativamente às reais consequências do que significa aquilo que o senhor governante está a dizer na televisão. Isto é, uma incapacidade total de colar palavras actuais a uma realidade futura.
O que acabo de dizer também não previ, bem entendido, que é sempre fácil dizer, olha o morto está morto porque... (e se o digo mesmo agora, é porque tenho o gene do português médio para aquelas características, como é óbvio). Mas, enfim, também não sou paga para isso.
Uma coisa é certa, as palavras de Passos Coelho na quinta-feira à noite tiveram o condão de finalmente conectar os portugueses com a realidade, e a nossa realidade é qualquer coisa próxima já da morte cerebral.
Há, portanto, o direito à indignação sim, contra todos os que nos enganaram e que, se não são responsáveis por sermos todos ingénuos, alienados, crédulos e falhos de imaginação, deviam ser certamente responsabilizados por nos terem mentido anos a fio (e, meus senhores, estou a falar de todo o espectro político português, governantes, partidos de todas as sucessivas oposições e sindicatos incluídos), ao ponto de estarmos agora a ouvir dizer, perplexos, que o Estado é credor do sangue, suor e lágrimas do trabalho e, mais grave ainda, do próprio emprego de portugueses que não sonhavam sequer ter tal dívida.
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