Do desamparo aprendido
Lendo hoje aqui , no Jornal de Negócios, que "o desamparo aprendido ocorre quando tentamos fazer algo para mudar o estado negativo em que nos encontramos e nada parece funcionar. É então que podemos “aprender” que nada funciona e que nada podemos fazer para alterar o nosso destino. (...) A esperança é precisamente o contrário", ocorreu-me este depoimento recolhido por Natália Faria, de Patrícia Marques, 29 anos, desempregada, 2 filhas e € 334 para viverem por mês, publicado há dois dias no jornal Público.
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"Dormir ajuda. Nos dias piores, vou levar as minhas filhas à escola e volto para a cama e durmo o mais que posso. Ajuda-me a não pensar. Às vezes, ponho música alta pela casa toda para ver se consigo ficar mais alegre, quando elas chegam a casa. Fujo de chorar à frente delas. Acho que a frase que lhes tenho dito mais vezes nos últimos tempos é: “Não pode ser, a mãe não tem dinheiro...”.
Quando trabalhava, ainda conseguia dar-lhes um consolo. Ia ao supermercado e trazia sempre daqueles ovinhos de chocolate. Sempre igual para as duas. É uma paranóia que tenho. Tem que ser sempre tudo igual para as duas. Uma tem cinco e a outra oito anos de idade. Já dei por mim a perguntar-me a quem é que eu podia pedir um pão ou uma maçã para elas levarem para a escola.
Quero continuar cá, porque quero vê-las crescer. São a minha única sorte. No resto... o que me aparecer de trabalho eu aceito, mas parece que nasci com as portas todas fechadas. O último trabalho que tive, já passou quase um ano, foi nas limpezas do mercado de Matosinhos. Ganhava 20 euros por dia, das sete da manhã às sete da tarde. Quando não tinha senhas para o autocarro, ia a pé ou apanhava boleia de uma vizinha. Mas nem tempo tinha para estar com as minhas filhas. E era pouco dinheiro, não dava. Recebo 150 euros do Rendimento Social de Inserção, mais cem euros de pensão por uma das minhas filhas. Da outra não pedi pensão porque o pai nem sempre é certo e aí iam-me tirar o RSI. Ainda recebo 84 euros de abono de família, mas não chega para tudo.
Olho à volta e vejo mais desempregados do que empregados. Já desisti de ir às entrevistas. Pedem habilitações e eu só tenho o 6.º ano. Pedem experiência, não tenho. Pedem bom aspecto, eu até de sorrir tenho vergonha por causa dos meus dentes. Sei que pensam que tenho os dentes estragados por causa da droga, mas garanto que nunca me meti nisso. Foi derivado à minha segunda gravidez, a minha filha “comeu-me” o cálcio. Já pedi ajuda à Segurança Social para os arranjar mas dizem que fica muito caro. Pareço muito mais velha. Sinto-me muito mais velha.
Fujo de pensar porque, se me puser a pensar, só me apetece fazer asneiras. Por isso, vou-me agarrando às promessas de trabalho. Já falei com uma amiga que trabalha numa firma de limpezas para ver se terão lá lugar, também me falaram de um senhor que queria alguém para a agricultura numas quintas.
Voto, ainda voto, mas já não acredito que o país possa melhorar."
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